terça-feira, 27 de abril de 2010

Anrique Paço d' Arcos- Pequena biografia


Anrique Paço D’Arcos, nome literário de Henrique Belford Corrêa da Silva, conde de Paço d'Arcos, nasceu em Lisboa - Portugal- em 1906. Estudou em Macau e, já em Lisboa, frequentou o curso de Ciências Económicas e Financeiras. Estreou-se em 1923, com Versos sem Nome.
Escritor simples e elegíaco, legou-nos livros de poesia como Versos sem Nome (1923), Divina Tristeza (1925), Mors-Amor (1928), Peregrino da Noite (1931), Cidade Morta (1939), Estrada sem Fim (1947), História de Jesus (1962), Círculos Concêntricos (1965), Voz Nua e Descoberta (1981) e Poesias Completas (1993).
Faleceu em Luanda, no ano de 1993.

INTERMEZZO

Quando subiu o pano da minha alma,
Em toda a platéia eu era só.
Que admira, pois, que se não ouvisse uma palma,
Mas apenas um silêncio de meter dó!
........................................................................
........................................................................
E o pano desceu, já não sobre a minha alma, mas sobre muitas almas ...
Eu lá estava no meu lugar já velho;
Como um espelho diante doutro espelho,
Uma floresta de mãos batia palmas!


Anrique Paço D’Arcos
in Poesias Completa

CANÇÃO ANTIGA

Eu próprio me desconheço
De tão outro que hoje sou;
A vida vai no começo
E fui eu só quem mandou ...

Ouço o eco dos meus passos;
E, pela noite sem fim,
Tenho medo de mim próprio,
De ir correndo atrás de mim ...


Anrique Paço D’Arcos
in Poesias Completas

DÍSTICOS

Se te disserem: - Corre! a tua fazenda arde -,
Não apresses o andar, chegarás, sempre arde.

Se dois rumos houver, segue ao acaso a viagem;
O fim é apenas um ... tudo o mais e paisagem!

Anrique Paço D’Arcos
in Poesias Completa

LUZ DIVINA

Que a luz divina as cousas transfigura,
No entardecer desta saudade minha!
Eis que o vulto da treva se avizinha,
Tudo se vai perder em noite escura ...

A sombra desce; pálida caminha,
Semeando as estrelas pela altura;
Já nos meus olhos místicos fulgura
O brando luar que ao longe se adivinha.

Hora do meu sofrer, hora saudosa,
Em que se oculto e rezo em cada cousa
E me visita a graça do Senhor ...

Hora em que a noite vem, piedosa e triste,
Falar de Deus a tudo quanto existe
E tem pena de mim na sua dor ...


Anrique Paço D’Arcos
in Poesias Completas

DESCRENÇA

Trago em meus frios lábios a tristeza
Da fonte que a cantar emudeceu;
A voz que outrora se elevava ao céu
Nos meus lábios murchou e já não reza.

Ai daquele que um dia em fé acesa
A Deus a alma entristecida ergueu,
E, descrente bem cedo, se perdeu
Na mais cruel e trágica incerteza!

Nos meus olhos as lágrimas secaram,
Nos meus lábios as rezas se calaram ...
Ó meu deserto olhar, lábios desertos!

Para que, para que tanta amargura,
Se não tem eco a voz que em mim murmura,
Nem água estes meus olhos sempre abertos?


Anrique Paço D’Arcos
in Poesias Completas

CREPÚSCULO

Paisagem do meu sonho .. Que tristeza
Alonga para os céus os pinheirais!
Crescem na tarde sombras e incertezas,
Sobe da terra o fumo dos casais.

É a hora dolorida em que se reza,
Em que as almas e as cousas são iguais,
No longo adeus do sol à natureza,
Cheia de luto e misterioso ais.

Paisagem do meu sonho em que me abismo,
Olhos turvos de lágrimas, e cismo
Na dor de quanto vai perdido à sorte ...

É a hora dolorida da ansiedade,
Em que a vida se abraça à Eternidade
E o meu sentir se casa com a morte!


Anrique Paço D’Arcos
in Poesias Completas

O VENTO

Ó voz cheia de lágrimas! ó vento
Perdido na infinita soledade!
Eterno peregrino da saudade,
Eu compreendo bem teu sofrimento!

Ó voz cheia de lágrimas! Quem há de
Adivinhar a dor do teu lamento?
E quem descobre em ti um sentimento
E um coração na loca tempestade?

Ó voz cheia de lágrimas, lembrando
A Natureza inteira soluçando,
Alma penada a errar no céu profundo!

Quem sabe a dor do vento, as suas mágoas,
Quando adormece, à noite, sobre as águas,
Num silêncio que vem de além do mundo? ...


Anrique Paço D’Arcos
in Poesias Completas

A MINHA SOMBRA

Ó minha antiga sombra, companheira
Destes meus passos vãos, com que alegria
Vi no horizonte o sol que amanhecia,
Para te ver crescer à minha beira!

Como a noite foi longa! Parecia
Que era talvez a noite derradeira!
Tive saudade então, a vez primeira,
Da tua negra e triste companhia.

Ó minha noiva, minha sombra escura!
Eterna companheira de amargura
Que só agora sei quanto eu adoro!

Como em fumo consiste o próprio lume,
Em ti a minha vida se resume,
Sombra feita das lágrimas que choro!


Anrique paço D’Arcos
in Poesias Completas

ELEGIA DO SILÊNCIO

Silêncio, voz sem fim das coisas mudas,
Do coração que eu tenho e Deus me deu.
Voz do luar morrendo sobre as ondas,
Das árvores que se erguem para o céu.

Silêncio, cinza que foi chama ardente,
Foi oração, foi canto de alegria;
Voz da vida que finda lentamente,
Da morte que em silêncio principia.

Voz de tudo o que existe e não tem fala,
Voz do incenso que sobe em oração,
Como o doce perfume que se exala
Das rosas esfolhadas pelo chão ...

Voz das lágrimas mudas, voz do pranto
Nas faces magoadas pela dor.
Voz do dia ao morrer cheio de encanto,
Na agonia da luz, desfeito em cor.

Voz oculta de tudo quanto existe,
Voz dos mundos cruzando-se nos céus;
Voz da alma que eu sinto e que é tão triste,
Silêncio, voz de Além, a voz de Deus ...


Anrique Paço D’Arcos
in Poesias Completas

ELEGIA DA NOITE

A noite cheia de astros encantados,
Cinza do sol caindo sobre o mar ...
A noite, a noite negra, olhos fechados
De Deus que adormeceu para sonhar.

Noite estendendo as asas pela altura,
Águia negra pairando em todo o além,
Véu de noiva que abriu em sepultura,
Berço do sol e seu caixão também.

Fogueira estranha enchendo o firmamento,
Em negras labaredas tumultua,
Como se a densa treva num momento
Tornasse negra a própria luz da lua.

A noite, a noite triste e tenebrosa,
Eco de luz, sombra talvez de um grito ...
E lembra assim, tão negra e misteriosa,
A minha alma errando no Infinito ...


Anrique Paço D’Arcos
in Poesias Completas

LUZ DO FIM

O vento petrificado ...
Sombra e silêncio a descer.
O horizonte ensangüentado
Lembra florestas a arder.

No horizonte todo em chama,
Maré-cheia de rubim,
O rubim do sol derrama
A luz vermelha do fim ...


Anrique Paço D’Arcos
in Poesias Completas

BALADA DAS ONDAS MORTAS

Nós somos as ondas negras
Que vivemos no alto-mar;
E nesta praia perdida
Vimos enfim descansar.

Andamos nas nuvens altas,
Correndo por sobre o monte;
Descemos depois à terra
Para nascer duma fonte.

E correndo longamente,
Sempre a correr, sem parar,
Eis-nos enfim transformadas
Nas ondas negras do mar.

Onda sobre onda rolando,
Onda sobre onda a rolar,
Assim nos fomos amando
Na noite escura do mar.

Lançamos beijos de espuma
Até às nuvens do céu;
A espuma logo tombava,
Tudo passou e morreu ...

Nós somos as ondas negras
Que vivemos no alto-mar;
E nesta praia perdida
Vimos enfim descansar.


Anrique Paço D’Arcos
in Poesias Completas

CANÇÃO DOS MOINHOS

Moinhos nos montes, à luz das estrelas
E à luz do luar ...
Moinhos ao vento com mastros e velas,
Quais brigues no mar.

Moinhos ao vento, quais águias cansadas
Que sobre a montanha vieram pousar;
Quem têm as asas há muito quebradas,
Não podem voar ...

Moinhos ao vento que são despedidas,
Com beijos e lenços no longe a acenar;
Moinhos ao vento que lembram ermidas
Com cruzes de velas erguidas ao ar.


Anrique Paço D’Arcos
in Poesias Completas

HORAS MORTAS

Horas mortas ... silêncio do luar
Descendo sobre as águas;
E os rochedos na sombra a meditar
E o vento adormecendo as misteriosas mágoas.

Horas mortas ... Fantástica paisagem ...
Ó bailado das sombras pelo chão!
É quando me aparece o luar da sua imagem
No sem luz que leva ao coração.

Horas mortas de sonho e de mistério,
Em que as almas e as coisas entristecem;
E os mortos, ao luar, no cemitério,
Se levantam da campa e os vivos adormecem ...

Horas mortas da noite, em que medito;
Paisagem da saudade ...
Horas mortas, perdidas no infinito,
Quando a vida se eleva e alcança a Eternidade ...


Anrique Paço D’Arcos
in Poesias Completas

NÉVOA

Que densa névoa cobre a terra inteira!
Dir-se-ia que pousou na terra o próprio céu ...
E lembra um andorinha prisioneira
Dum condor que sobre ela as asas estendeu.

Moldados pela noite à sua negra imagem,
Cismam meus olhos fundos como um rio.
Tornam mais densa ao longe a noite da paisagem
Os montes dum perfil ascético e sombrio.

E esqueço-me a pensar se tudo o que me envolve,
As árvores, os montes e os rochedos,
Não é um sonho só que em névoa se dissolve,
Como ao quebrar da luz, sombras, noturnos medos.

Tão ausente me sinto, tão distante,
Que um sonho me parece a própria vida;
A névoa cresce, aumenta a cada instante ...
E a minha sombra jaz na sombra confundida ...


Anrique Paço D’Arcos
in Poesias Completas

CANÇÃO

Noite linda ...
O céu é duma cor lilás que me entristece,
Duma agonia infinda
Que aumenta à proporção que a lua empalidece.

Noite linda ...
Uma doçura infinda
Paira no ar, no céu;
E a lua branca e morta, a lua branca e linda,
Lembra, em fantasma, o sol que anoiteceu.

Noite linda ...
O céu, que é duma cor lilás que me entristece,
Lembra uma concha infinda,
De que a pérola fosse a lua branca e linda.

E no céu o lilás empalidece ...


Anrique Paço D’Arcos
in Poesias Completas

A Água

A água que canta, correndo da fonte,
Cantando e rolando lá vai dar no mar;
Correndo entre as rochas, descendo do monte,
Descendo as encostas, correndo a cantar.

Cantando e rolando, do monte descida,
Na areia alastrando, fugindo a cantar,
E tudo levando na sua corrida
Cantando e rolando lá vai dar no mar.

E a água que canta, do monte descida
Rolando e cantando se encanta do mar;
E sempre cantando lá finda a corrida,
No mar se perdendo, morrendo a cantar ...


Anrique Paço D’Arcos
Poesias completas

Hora lilás...

Hora lilás, da cor desta saudade
Que não me deixa mais o coração,
Hora em que a alma toda se me invade
Só de tristeza e de desolação ...

Hora em que eu lembro a minha pouca idade
E a minha tão cruel desilusão ...
Tudo se esvai na bruma da saudade,
Essa tão doce e triste cerração ...

Hora lias, da cor que me entristece,
Desta saudade que jamais esquece
Meu coração cansado de sofrer;

Hora em que eu vivo a vida já vivida,
Hora lilás, da cor da minha vida,
Pois é saudade só o meu viver.



Anrique Paço D’Arcos
in Poesias Completas

Soneto

Saudades o que são? São cinzas frias
Que foram fogo e luz no coração;
Mas cinzas tristes, pálidas e frias
Sepultadas no fundo dum vulcão.

Que são saudades? Sombras fugidias
Que em vão tentamos alcançar, em vão;
Sombras errantes pelas noites frias
Nos caminhos sem luz do coração.

Saudade é fumo que uma brisa ondeia,
Vento triste que chora por alguém;
Ondas mortas rojando-se na areia,

Sombras que vindas de outro mundo, além,
Formam a névoa que hoje me rodeia,
Sombras perdidas, sombras sem ninguém ...

Anrique Paço d' Arcos,

Soneto

Braço dado à esperança andei outrora
Pelos campos da vida verdejantes;
Mas a esperança abandonou-me, e agora
Só a saudade vem do que eu fui dantes.

Assim nos vamos pela vida fora,
Eu e a saudade, pobres caminhantes,
Companheira que veio , em boa hora,
Acompanhar meus passos vacilantes.

Assim nós vamos ambos pela vida,
Como mendigos que não tem guarida
E que um ao outro são amparo e guia.

Como aquela fugiu na mocidade,
Não me fuja também esta saudade ...
Que sozinho na vida ficaria!

Anrique Paço d' Arcos,

Desejo

desejo de ser eu
e de não ser

de viver
e morrer


de partir
e ficar


- desejo de
não desejar ...



Anrique Paço D'Arcos

Nada

Sou sombra que passa na vida chorando.
Sou sombra que passa na vida cantando,
Chorando e cantando, na vida tão triste.
Sou nuvem de pó
Que em vão corre o mundo
Na aza do vento;
E encontro-me tão só
No abismo sem fundo
Do meu pensamento...
Sou agua tão leve
Que nasce da fonte
E corre para o mar;
Sou floco de neve
Que cai sobre o monte,
Lembrando o luar;
Sou ave pairando
No mais alto cume
Da montanha, além;
Sou pedra que rola,
Sou onda quebrando,
Sou como um perfume
Que no ar se evola;
Sou nada também.


Anrique Paço d'Arcos
in "Divina tristeza"

Tristeza

Esta tristeza que me envolve agora
Nem me deixa sequer pensar em mim…
Cai na terra o silêncio; e nesta hora
A minha dor vai descansar enfim.


O sol ao longe todo o céu colora
De nuvens cor de fogo e de rubim;
E as árvores também, como quem ora,
Rumorejam nas sombras do jardim.


E no silêncio desta tarde linda
Paira na terra uma doçura infinda,
Asas leves de sonho e de agonia…


Morrem ao longe as nuvens incendiadas,
Quando o silêncio e a sombra de mãos dadas
Amortalham a luz, ao fim do dia…


Anrique Paço d'Arcos

Saudade

Saudade é querer viver o já vivido,
Querer amar e ter amado já…
Sentindo o coração anoitecido,
Querer beijar a luz que o sol lhe dá.


Saudade é ver fugir o bem perdido,
Não podendo ir com ele onde ele vá;
Ai, saudade afinal é ter nascido
Na certeza que a vida acabará!


Horizontes sem fim, novas paisagens…
Saudade é vago espelho onde as imagens
Têm vida para além da realidade.


Saudade é tudo enfim que me rodeia;
Um relevo de passos pela areia;
A morte, a vida, o amor, tudo é saudade…


Anrique Paço D’Arcos

Saudade Minha

Minha saudade as cousas transfigura
num estranho delírio semelhante
ao desse eterno cavaleiro-andante
paladino do sonho e da loucura:

minha saudade é fonte que murmura
e em seu cantar humilde e marulhante
mata a sede que abrasa o caminhante
só de o embalar na líquida ternura...

Minha saudade os mundos alumia
os mortos ressuscita e é um sol-nascente
dourando ainda as trevas da agonia;

minha saudade é a força misteriosa
que torna cada cousa em mim presente
e a minha dor presente em cada cousa.


Anrique Paço D’Arcos

ESBOÇO

O seu perfil de sombra iluminado
pela agonia rubra do sol-pôr;
e, ao longe, e ao longe, o seu olhar magoado
como um olhar de anunciação e amor...

O seu perfil de mágoa, ainda encoberto
na sombra que este sonho fez maior,
e o seu olhar sem fim, como um deserto
de sombra, bem maior que a minha dor...

O seu perfil esguio, o seu perfil
de Outono e primavera: - o mês de Abril,
em Outubro, a querer reverdecer...

O seu perfil de noite e de alegria,
laivado, aqui e além, da luz do dia,
que no sol-pôr, além, vai a morrer...


Anrique Paço D’Arcos

ALÉM DA MORTE

Fecho os olhos num sonho que me leva
Às paragens divinas da saudade,
Lá onde a noite é apenas claridade
Dando origem talvez a nova treva.
Fecho os olhos e avisto a Eternidade,
Lá onde um sol fantástico se eleva
Num perpétuo fulgor, sem que descreva
Sua órbita de luz na imensidade.
Fecho os olhos e vejo a minha imagem
Anoitecendo os longes da paisagem,
Como a única sombra que persiste...
Sou eu! sou eu aquele vulto errando!
Sou eu, além da morte ainda sonhando
Na tua graça e neste amor tão triste!...

Anrique Paço d'Arcos
In "Mors – Amor"
Atlântida Livraria Editora – 1928

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Pequena Biografia


Federico Garcia Lorca nasceu na região de Granada, na Espanha, em 05 de junho de 1898, e faleceu nos arredores de Granada no dia 19 de agosto de 1936, assassinado pelos "Nacionalistas". Nessa ocasião o general Franco dava início à guerra civil espanhola. Apesar de nunca ter sido comunista - apenas um socialista convicto que havia tomado posição a favor da República - Lorca, então com 38 anos, foi preso por um deputado católico direitista que justificou sua prisão sob a alegação de que ele era "mais perigoso com a caneta do que outros com o revólver." Avesso à violência, o poeta, como homossexual que era, sabia muito bem o quanto era doloroso sentir-se ameaçado e perseguido. Nessa época, suas peças teatrais "A casa de Bernarda Alba", "Yerma", "Bodas de sangue", "Dona Rosita, a solteira" e outras, eram encenadas com sucesso. Sua execução, com um tiro na nuca, teve repercussão mundial.

Lamentación de la muerte

Sobre el cielo negro,
culebrinas amarillas.

Vine a este mundo con ojos
y me voy sin ellos.
¡Señor del mayor dolor!
Y luego,
un velón y una manta
en el suelo.

Quise llegar adonde
llegaron los buenos,
¡Y he llegado, Dios mío!...
Pero luego,
un velón y una manta
en el suelo.

Limoncito amarillo
limonero.
Echad los limoncitos
al viento.
¡Ya lo sabéis!... Porque luego,
luego,
un velón y una manta
en el suelo.

Sobre el cielo negro,
culebrinas amarillas.

Garcia Lorca

La luna asoma

Cuando sale la luna
se pierden las campanas
y aparecen las sendas
impenetrables.
Cuando sale la luna,
el mar cubre la tierra
y el corazón se siente
isla en el infinito.
Nadie come naranjas
bajo la luna llena.
Es preciso comer
fruta verde y helada.
Cuando sale la luna
de cien rostros iguales,
la moneda de plata
solloza en el bolsillo.

Garcia Lorca

Juan Ramón Jiménez

En el blanco infinito,
nieve, nardo y salina,
perdió su fantasía.

El color blanco, anda,
sobre una muda alfombra
de plumas de paloma.

Sin ojos ni ademán,
inmóvil sufre un sueño.
Pero tiembla por dentro.

En el blanco infinito,
¡qué pura y larga herida
dejó su fantasía!

En el blanco infinito.
Nieve. Nardo. Salina.

Garcia Lorca

Debussy

En la torre
amarilla,
dobla una campana.

Sobre el viento
amarillo,
se abren las campanadas.

En la torre
amarilla,
cesa la campana.

El viento con el polvo,
hace proras de plata.


Frederico Garcia Lorca

Campana

En la torre
amarilla,
dobla una campana.

Sobre el viento
amarillo,
se abren las campanadas.

En la torre
amarilla,
cesa la campana.

El viento con el polvo,
hace proras de plata.

Garcia Lorca

Alma Ausente

(excerto)

Porque te has muerto para siempre,
como todos los muertos de la Tierra,
como todos los muertos que se olvidan
en un montón de perros apagados.

No te conoce nadie. No. Pero yo te canto.
Yo canto para luego tu perfil y tu gracia.
La madurez insigne de tu conocimiento.
Tu apetencia de muerte y el gusto de su boca.

La tristeza que tuvo tu valiente alegría.
Tardará mucho tiempo en nacer, si es que nace,
un andaluz tan claro, tan rico de aventura.
Yo canto su elegancia con palabras que gimen
y recuerdo una brisa triste por los olivos.

Frederico Garcia Lorca

Excerto de "La Cogida y la Muerte"

"Un ataúd con ruedas es su cama
a las cinco de la tarde.
Huesos y flautas suenan en su oído
a las cinco de la tarde.
El toro ya mugía por su frente
a las cinco de la tarde.
El cuarto se irisaba de agonía
a las cinco de la tarde.
A lo lejos ya viene la gangrena
a las cinco de la tarde.
Trompa de lirio por las verdes ingles
a las cinco de la tarde.
Las heridas quemaban como soles
a las cinco de la tarde,
y el gentío rompía las ventanas
a las cinco de la tarde.
A las cinco de la tarde.
¡Ay qué terribles cinco de la tarde!
¡Eran las cinco en todos los relojes!
¡Eran las cinco en sombras de la tarde!"

Garcia Lorca
( Do poema "La Cogida y la Muerte", em "Llanto por Ignacio Sánches Mejías")

Noche de amor insomne

Noche arriba
los dos con luna llena,
yo me puse a llorar y tú reías.
Tu desdén era un dios, las penas mías
momentos y palomas en cadenas.
Noche abajo
los dos. Cristal de pena,
llorabas tú por hondas lejanías
sobre tu débil corazón de arena.
La aurora
nos unió sobre la cama,
las bocas puestas sobre el chorro helado
de una sangre sin fin que se derrama.
Y el sol
entró por el balcón cerrado
y el coral de la vida abrió su rama
sobre mi corazón amortajado.

Garcia Lorca

Se as minhas mãos pudessem desfolhar

Eu pronuncio teu nome
nas noites escuras,
quando vêm os astros
beber na lua
e dormem nas ramagens
das frondes ocultas.
E eu me sinto oco
de paixão e de música.
Louco relógio que canta
mortas horas antigas.

Eu pronuncio teu nome,
nesta noite escura,
e teu nome me soa
mais distante que nunca.
Mais distante que todas as estrelas
e mais dolente que a mansa chuva.

Amar-te-ei como então
alguma vez? Que culpa
tem meu coração?
Se a névoa se esfuma,
que outra paixão me espera?
Será tranqüila e pura?
Se meus dedos pudessem
desfolhar a lua!!

Garcia Lorca

CASIDA DEL LLANTO

He cerrado mi balcón
por que no quiero oír el llanto
pero por detrás de los grises muros
no se oye otra cosa que el llanto.

Hay muy pocos ángeles que canten,
hay muy pocos perros que ladren,
mis violines caben en la palma de mi mano.

Pero el llanto es un perro inmenso,
el llanto es un ángel inmenso,
el llanto es un violín inmenso,
las lágrimas amordazan al viento,
no se oye otra cosa que el llanto.


García Lorca

GACELA DEL AMOR QUE NO SE DEJA VER

Solamente por oír
la campana de la Vela
te puse una corona de verbena.

Granada era una luna
ahogada entre yedras.

Solamente por oír
la campana de la Vela
desgarré mi jardín de Cartagena.

Granada era una corza
rosa por las veletas.

Solamente por oír
la campana de la Vela
me abrasaba en tu cuerpo
sin saber de quién era.


García Lorca

GACELA DEL AMOR MARAVILLOSO

Con todo el yeso
de los malos campos,
eras junco de amor, jazmín mojado.

Con sur y llama
de los malos cielos,
eras rumor de nieve por mi pecho.

Cielos y campos
anudaban cadenas en mis manos

Campos y cielos
azotaban las llagas de mi cuerpo.


García Lorca

CANCIÓN PRIMAVERAL

2

Voy camino de la tarde
entre flores de la huerta,
dejando sobre el camino
el agua de mi tristeza.
En el monte solitario,
un cementerio de aldea
parece un campo sembrado
con granos de calaveras.
Y han florecido cipreses
como gigantes cabezas
que con órbitas vacías
y verdosas cabelleras,
pensativos y dolientes
el horizonte contemplan.

¡Abril divino, que vienes
cargado de sol y esencias,
llena con nidos de oro
las floridas calaveras!

28 de marzo de 1919, Granada

García Lorca

PAISAJE

A Carlos Morla Vicuña

El campo
de olivos
se abre y se cierra
como un abanico.
Sobre el olivar
hay un cielo hundido
y una lluvia oscura
de luceros fríos.
Tiembla junco y penumbra
a la orilla del río.
Se riza el aire gris.
Los olivos,
están cargados
de gritos.
Una bandada
de pájaros cautivos,
que mueven sus larguísimas
colas en lo sombrío.


García Lorca

As seis cordas

A guitarra
faz soluçar os sonhos.
O soluço das almas
perdidas
foge por sua boca
redonda.
E, assim como a tarântula,
tece uma grande estrela
para caçar suspiros
que bóiam no seu negro
abismo de madeira.

García Lorca

CASIDA DE LAS PALOMAS OSCURAS

Por las ramas del laurel
vi dos palomas oscuras.
La una era el Sol,
la otra la Luna.
«Vecinitas», les dije:
«¿Dónde está mi sepultura?»
«En mi cola», dijo el Sol.
«En mi garganta», dijo la Luna.
Y yo que estaba caminando
con la tierra por la cintura
vi dos águilas de nieve
y una muchacha desnuda.
La una era la otra
y la muchacha era ninguna.
«Aguilitas», les dije:
«¿dónde está mi sepultura?»
«En mi cola» , dijo el Sol.
«En mi garganta», dijo la Luna.
Por las ramas del laurel
vi dos palomas desnudas.
La una era la otra
y las dos eran ninguna.

García Lorca

CASIDA DE LA ROSA

La rosa
no buscaba la aurora:
casi eterna en su ramo,
buscaba otra cosa.

La rosa,
no buscaba ni ciencia ni sombra:
confín de carne y sueño,
buscaba otra cosa.

La rosa,
no buscaba la rosa.
Inmóvil por el cielo
buscaba otra cosa.

García Lorca

Romance Sonâmbulo

(Excerto)

Verde que te quero verde.
Verde vento. Verdes ramas.
O barco vai sobre o mar
e o cavalo na montanha.
Com a sombra pela cintura
ela sonha na varanda,
verde carne, tranças verdes,
com olhos de fria prata.
Verde que te quero verde.
Por sob a lua gitana,
as coisas estão mirando-a
e ela não pode mirá-las.

García Lorca

VOLTA DE PASSEIO



Assassinado pelo céu,
entre as formas que vão para serpente
e as formas que buscam o cristal,
deixarei crescer os meus cabelos.

Com a árvore de tocos que não canta
e o menino com o branco rosto de ovo.

Com os animaizinhos que a cabeça rota
e a água esfarrapada dos pés secos.

Com tudo o que tem cansaço surdo-mudo
e mariposa afogada no tinteiro.

Tropeçando com meu rosto diferente de cada dia.
Assassinado pelo céu!

García Lorca

segunda-feira, 12 de abril de 2010

XIX


Han contado el oro que tiene
El territorio del maíz?
Sabes que es verde la neblina
A mediodía, en Patagonia?
Quién canta en el fondo del
agua
En la laguna abandonada?
De qué ríe la sandía
Cuando la están asesinando?

Pablo Neruda
Libro de las preguntas.
Buenos Aires, Losada, 1974.

XVII

Te has dado cuenta que el
Otoño
Es como una vaca amarilla?
Y cómo la bestia otoñal
Es luego un oscuro esqueleto?
Y cómo el invierno acumula
Tantos azules lineales?
Y quién pidió a la Primavera
Su monarquía transparente?


Pablo Neruda
Libro de las preguntas.
Buenos Aires, Losada, 1974.

XVI

Trabajan la sal y el azúcar
Construyendo una torre blanca?
Es verdad que en el hormiguero
Los sueños son obligatorios?
Sabes qué meditaciones
Rumia la tierra en el otoño?
(Por qué no dar una medalla
a la primera hoja de oro?)


Pablo Neruda
Libro de las preguntas.
Buenos Aires, Losada, 1974.

XIV

Y qué dijeron los rubíes
Ante el jugo de las granadas?
Pero por qué no se convence
El Jueves de ir después del
Viernes?
Quiénes gritaron de alegría
Cuando nació el color azul?
Por qué se entristece la tierra
Cuando aparecen las violetas?


Pablo Neruda
Libro de las preguntas.
Buenos Aires, Losada, 1974.

X

Qué pensarán de mi sombrero
En cien años más, los polacos?
Qué dirán de mi poesía
Los que no tocaran mi sangre?
Cómo se mide la espuma
Que resbala de la cerveza?
Qué hace una mosca
encarcelada
En un soneto de Petrarca?


Pablo Neruda
Libro de las preguntas.
Buenos Aires, Losada, 1974

XI

Hasta cuándo hablan los demás
Si ya hemos hablado nosotros?
Qué diría José Martí
Del pedagogo Marinello?
Cuántos años tiene Noviembre?
Qué sigue pagando el Otoño
Con tanto dinero amarillo?
Cómo se llama ese cocktail
Que mezcla vodka con
relámpagos?


Pablo Neruda
Libro de las preguntas.
Buenos Aires, Losada, 1974

IX

Es este mismo el sol de ayer
O es otro el fuego de su fuego?
Cómo agradecer a las nubes
Esa abundancia fugitiva?
De dónde viene el nubarrón
Con sus sacos negros de llanto?
Dónde están los nombres
aquellos
Dulces como tortas de antaño?
Dónde se fueron las Donaldas,
Las Clorindas, las Eduvigis?

Pablo Neruda
Libro de las preguntas.
Buenos Aires, Losada, 1974

VII

Es paz la paz de la paloma?
El leopardo hace la guerra?
Por qué enseña el profesor
La geografía de la muerte?
Qué pasa con las golondrinas
Que llegan tarde al colegio?
Es verdad que reparten cartas
Transparentes, por todo el cielo?


Pablo Neruda
Libro de las preguntas.
Buenos Aires, Losada, 1974.

VI

Por qué el sombrero de la noche
Vuela con tantos agujeros?
Qué dice la vieja ceniza
Cuando camina junto al fuego?
Por qué lloran tanto las nubes
Y cada vez son más alegres?
Para quién arden los pistilos
Del sol en sombra del eclipse?
Cuántas abejas tiene el día?

Pablo Neruda
Libro de las preguntas.
Buenos Aires, Losada, 1974.

III

Dime, la rosa está desnuda
O sólo tiene ese vestido?
Por qué los árboles esconden
El esplendor de sus raíces?
Quién oye los remordimientos
Del automóvil criminal?
Hay algo más triste en el mundo
Que un tren inmóvil en la lluvia?

Pablo Neruda
Libro de las preguntas
Buenos Aires, Losada, 1974.

MAESTRANZAS DE NOCHE

HIERRO negro que duerme, fierro negro que gime
por cada poro un grito de desconsolación.

Las cenizas ardidas sobre la tierra triste,
los caldos en que el bronce derritió su dolor.

Aves de qué lejano país desventurado
graznaron en la noche dolorosa y sin fin?

Y el grito se me crispa como un nervio enroscado
o como la cuerda rota de un violín.

Cada máquina tiene una pupila abierta
para mirarme a mí.

En las paredes cuelgan las interrogaciones,
florece en las bigornias el alma de los bronces
y hay un temblor de pasos en los cuartos desiertos.

Y entre la noche negra —desesperadas—- corren
y sollozan las almas de los obreros muertos.

Pablo Neruda
in Farewell y los sollozos

LA TARDE SOBRE LOS TEJADOS

LA tarde sobre los tejados
cae
y cae...
Quién le dio para que viniera
alas de ave?

Y este silencio que lo llena
todo,
desde qué país de astros
se vino solo?

Y por qué esta brurna
—plúmula trémula—
beso de lluvia
—sensitiva—

cayó en silencio —y para siempre—
sobre mi vida?


Pablo Neruda
Los crepúsculos de Maruri

15

Me gustas cuando callas porque estás como ausente,
y me oyes desde lejos, y mi voz no te toca.
Parece que los ojos se te hubieran volado
y parece que un beso te cerrara la boca.

Como todas las cosas están llenas de mi alma
emerges de las cosas, llena del alma mía.
Mariposa de sueño, te pareces a mi alma,
y te pareces a la palabra melancolía.

Me gustas cuando callas y estás como distante.
Y estás como quejándote, mariposa en arrullo.
Y me oyes desde lejos, y mi voz no te alcanza :
déjame que me calle con el silencio tuyo.

Déjame que te hable también con tu silencio
claro como una lámpara, simple como un anillo.
Eres como la noche, callada y constelada.
Tu silencio es de estrella, tan lejano y sencillo.

Me gustas cuando callas porque estás como ausente.
Distante y dolorosa como si hubieras muerto.
Una palabra entonces, una sonrisa bastan.
Y estoy alegre, alegre de que no sea cierto.


Pablo Neruda
In Veinte poemas de amor y una canción desesperada (1924)

12

Para mi corazón basta tu pecho,
para tu libertad bastan mis alas.
Desde mi boca llegará hasta el cielo
lo que estaba dormido sobre tu alma.

Es en ti la ilusión de cada día.
Llegas como el rocío a las corolas.
Socavas el horizonte con tu ausencia.
Eternamente en fuga como la ola.

He dicho que cantabas en el viento
como los pinos y como los mástiles.
Como ellos eres alta y taciturna.
Y entristeces de pronto, como un viaje.

Acogedora como un viejo camino.
Te pueblan ecos y voces nostálgicas.
Yo desperté y a veces emigran y huyen
pájaros que dormían en tu alma.

Pablo Neruda
In Veinte poemas de amor y una canción desesperada (1924)

Pablo Neruda

4

Es la mañana llena de tempestad
en el corazón del verano.

Como pañuelos blancos de adiós viajan las nubes,
el viento las sacude con sus viajeras manos.

Innumerable corazón del viento
latiendo sobre nuestro silencio enamorado.

Zumbando entre los árboles, orquestal y divino,
como una lengua llena de guerras y de cantos.

Viento que lleva en rápido robo la hojarasca
y desvía las flechas latientes de los pájaros.

Viento que la derriba en ola sin espuma
y sustancia sin peso, y fuegos inclinados.

Se rompe y se sumerge su volumen de besos
combatido en la puerta del viento del verano.



Pablo Neruda
In Veinte poemas de amor y una canción desesperada (1924)

domingo, 11 de abril de 2010

XX

(Rudolf Nureyev)


Estou sentado sobre a minha mala
No velho bergantim desmantelado...
Quanto tempo, meu Deus, malbaratado
Em tanta inútil, misteriosa escala!

Joguei a minha bússola quebrada
Às águas fundas... E afinal sem norte,
Como o velho Sindbad de alma cansada
Eu nada mais desejo, nem a morte...

Delícia de ficar deitado ao fundo
Do barco, a vos olhar, velas paradas!
Se em toda parte é sempre o Fim do Mundo

Pra que partir? Sempre se chega, enfim...
Pra que seguir empós das alvoradas
Se, por si mesmas, elas vêm a mim?


Mário Quintana
in Rua dos Cataventos

INSCRIÇÃO PARA UMA LAREIRA


A vida é um incêndio: nela
dançamos, salamandras mágicas
Que importa restarem cinzas
se a chama foi bela e alta?
Em meio aos toros que desabam,
cantemos a canção das chamas!

Cantemos a canção da vida,
na própria luz consumida...

Mário Quintana
in Nova Antologia Poética

Noturno


Não sei por que, sorri de repente
E um gosto de estrela me veio na boca...
Eu penso em ti, em Deus, nas voltas inumeráveis
que fazem os caminhos...

Em Deus, em ti, de novo...

Tua ternura tão simples...

Eu queria, não sei por que, sair correndo descalço
pela noite imensa
E o vento da madrugada me encontraria morto j
unto de um arroio,
Com os cabelos e a fronte mergulhados na água
límpida...
Mergulhados na água límpida, cantante e fresca
de um arroio!


Mário Quintana
in O aprendiz de feiticeiro

XVIII


Esses inquietos ventos andarilhos
Passam e dizem: "Vamos caminhar.
Nós conhecemos misteriosos trilhos,
Bosques antigos onde é bom cismar...

E há tantas virgens a sonhar idílios!
E tu não vieste, sob a paz lunar,
Beijar os seus entrefechados cílios
E as dolorosas bocas a ofegar..."

Os ventos vêm e batem-me à janela:
"A tua vida, que fizeste dela?"
E chega a morte: "Anda! Vem dormir...

Faz tanto frio... E é tão macia a cama..."
Mas toda a longa noite inda hei de ouvir
A inquieta voz dos ventos que me chama!...


Mario Quintana
in a rua dos cataventos

A Rua


A rua é um rio de pessoas e de vozes,
um rio terrível que me vai levando,
mas estou só, como se está na infância...
ou quando a morte vai se aproximando...

No ar, agora, que distante aroma?
Decerto eu sem saber pensei em ti...
E um vôo de andorinha na distância
é a minha saudade que eu te mando.

Mas tu, nesses tumultuoso rio,
não fica nunca ao fundo da lembrança
como no seio azul de um redoma...

Tudo se afasta nessa correnteza
onde uma flor,às vezes, fica presa
e um claro riso sobre as águas dança!


Mario Quintana -
In Baú de Espantos

XVI


(a Nilo Milano)

Triste encanto das tardes borralheiras
Que enchem de cinza o coração da gente!
A tarde lembra um passarinho doente
A pipilar os pingos das goteiras...

A tarde pobre fica, horas inteiras,
A espiar pelas vidraças, tristemente,
O crepitar das brasas na lareira...
Meu Deus... o frio que a pobrezinha sente!

Por que é que esses Arcanjos neurastênicos
Só usam névoa em seus efeitos cênicos?
Nenhum azul para te distraíres...

Ah, se eu pudesse, tardezinha pobre,
Eu pintava trezentos arco-íris
Nesse tristonho céu que nos encobre!...


Mário Quintana
in Rua dos Cataventos

Jardim Interior


Todos os jardins deviam ser fechados,
com altos muros de um cinza muito pálido,
onde uma fonte
pudesse cantar
sozinha
entre o vermelho dos cravos.
O que mata um jardim não é mesmo
alguma ausência
nem o abandono...
O que mata um jardim é esse olhar vazio
de quem por eles passa indiferente.


Mário Quintana

Lágrima


Denso, mas transparente
Como uma lágrima...
Quem me dera
Um poema assim!
Mas...
Este rascar de pena! Esse
Ringir das articulações ...Não ouves?!
Ai do poema
Que assim escreve a mão infiel
Enquanto - em silêncio - a pobre alma
Pacientemente espera.


Mario Quintana
In A cor do Invisível

OS RETRATOS


Os antigos retratos de parede
não conseguem ficar longo tempo abstratos.

Às vezes os seus olhos te fixam, obstinados
porque eles nunca se desumanizam de todo.

Jamais te voltes para trás de repente.
Não, não olhes agora!

O remédio é cantares cantigas loucas e sem fim...
Sem fim e sem sentido...

Dessas que a gente inventava para enganar a solidão
dos caminhos sem lua.



Mário Quintana
In: Esconderijos do Tempo

Da vez primeira em que me assassinaram


Da vez primeira em que me assassinaram,
Perdi um jeito de sorrir que eu tinha.
Depois, a cada vez que me mataram,
Foram levando qualquer coisa minha.

Hoje, dos meu cadáveres eu sou
O mais desnudo, o que não tem mais nada.
Arde um toco de Vela amarelada,
Como único bem que me ficou.

Vinde! Corvos, chacais, ladrões de estrada!
Pois dessa mão avaramente adunca
Não haverão de arrancar a luz sagrada!

Aves da noite! Asas do horror! Voejai!
Que a luz trêmula e triste como um ai,
A luz de um morto não se apaga nunca!

Mario Quintana
In: A rua dos cataventos

Operação Alma

(renoir)

Há os que fazem materializações...
Grande coisa! Eu faço desmaterializações,
Subjetivações de objetos.
Inclusive sorrisos,
Como aquele que tu me deste um dia com o mais puro azul de teus olhos
E nunca mais nos vimos. ( Na verdade, a gente nunca mais se vê...) No entanto,
Há muito que ele faz parte de certos estados do céu,
De certos instantes de serena, inexplicável alegria,
Assim como um vôo sozinho põe um gesto de adeus na paisagem,
Como uma curva de caminho,
Anônima,
Torna-se às vezes a maior recordação de toda uma volta ao mundo!

Mario Quintana
- In Melhores Poemas

Canção da vida


A vida é louca
a vida é uma sarabanda
é um corrupio...
A vida múltipla dá-se as mãos como um bando
de raparigas em flor
e está cantando
em torno a ti:
Como eu sou bela
amor!
Entra em mim, como em uma tela
de Renoir
enquanto é primavera,
enquanto o mundo
não poluir
o azul do ar!
Não vás ficar
não vás ficar
aí...
como um salso chorando
na beira do rio...
(Como a vida é bela! como a vida é louca!)

Mario Quintana
de Esconderijos do Tempo

As coisas


O encanto
sobrenatural
que há
nas coisas da Natureza!
No entanto, amiga,
se nelas algo te dá
encanto ou medo,
não me digas que seja feia
ou má,
e, acaso, singular...
E deixa-me dizer-te em segredo
um dos grandes segredos do mundo:
- Essas coisas que parece
não terem beleza
nenhuma
- é simplesmente porque
não houve nunca quem lhes desse ao menos
um segundo
olhar!


Mario Quintana
In A cor do invisível

Uma simples Elegia


Caminhozinho por onde eu ia andando
E de repente te sumiste,
- o que seria que te aconteceu?
Eu sei ... o tempo... as ervas más... a vida...
Não, não foi a morte que acabou contigo:
Foi a vida.

Ah! nunca a vida fez uma história mais triste
Que a de um caminho que se perdeu...


Mario Quintana
In Nariz de Vidro

Canção de Outono


O outono toca realejo
No pátio da minha vida.
Velha canção, sempre a mesma,
Sob a vidraça descida...

Tristeza? Encanto? Desejo?
Como é possível sabê-lo?
Um gozo incerto e dolorido
De carícia a contrapelo...

Partir, ó alma, que dizes?
Colher as horas, em suma...
Mas os caminhos do Outono
Vão dar em parte nenhuma!

Mário Quintana

PREPARATIVOS PARA A VIAGEM


Uns vão de guarda-chuva e galochas,
outros arrastam um baú de guardados...
Inúteis precauções!
Mas,
se levares apenas as visões deste lado,
nada te será confiscado:
todo o mundo respeita os sonhos de um ceguinho
-a sua única felicidade!
E os próprios Anjos, esses que fitam eternamente a face
do Senhor...

os próprios Anjos te invejarão.



Mário Quintana
In: Esconderijos do Tempo

VIDA


Não sei
o que querem de mim árvores
essas velhas esquinas
para ficarem tão minhas só de olhar um momento.

Ah! se exigirem documentos aí do Outro Lado,
extintas as outras memórias,
só poderei mostrar-lhes as folhas soltas de um álbum
de imagens:
aqui uma pedra lisa, ali um cavalo parado
ou
uma
nuvem perdida,
perdida,

Meu Deus, que modo estranho de contar uma vida!



Mário Quintana
In: Esconderijos do Tempo

VIAGEM FUTURA


Um dia aparecerão minhas tatuagens invisíveis:
marinheiro do além, encontrarei nos portos
caras amigas, estranhas caras, desconhecidos tios mortos
e eles me indagarão se é muito longe ainda o outro mundo...



Mário Quintana
In: Esconderijos do Tempo

O LÍMPIDO CRISTAL


Que límpido o cristal de abril!... Um grito
não vai como os da noite – para os extra-mundos...
Todas as vozes, todas as palavras ditas – cigarras presas
dentro do globo azul – vão em redor do mundo
e a ninguém é preciso entender o que elas dizem;
basta aquele bordoneio profundo
que vibra com o peito de cada um...
palavras felizes de se encontrarem uma com a outra
nas solidões do mundo!



Mário Quintana
In: Esconderijos do Tempo

OS POEMAS


Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam vôo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto
alimentam-se um instante em cada par de mãos
e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti...



Mário Quintana
In: Esconderijos do Tempo

Há um grande silêncio que está à escuta...


O SILÊNCIO




E a gente se põe a dizer inquietamente qualquer coisa,
qualquer coisa, seja o que for,
desde a corriqueira dúvida sobre se chove ou não chove hoje
até a tua dúvida metafísica, Hamleto!

E, por todo o sempre, enquanto a gente fala, fala, fala
o silêncio escuta...
e cala.



Mário Quintana
In: Esconderijos do Tempo