quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Adeus


        Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
        e o que nos ficou não chega
        para afastar o frio de quatro paredes.
        Gastámos tudo menos o silêncio.
        Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
        gastámos as mão à força de as apertarmos,
        gastámos o relógio e as pedras das esquinas
        em esperas inúteis.

        Meto as mãos nas algibeiras
        e não encontro nada.
        Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!
        Era como se todas as coisas fossem minhas:
        quanto mais te dava mais tinha para te dar.

        Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!
        e eu acreditava.
        Acreditava,
        porque ao teu lado
        todas as coisas eram possíveis.
        Mas isso era no tempo dos segredos,
        no tempo em que o teu corpo era um aquário,
        no tempo em que os meus olhos
        eram peixes verdes.
        Hoje são apenas os meus olhos.
        É pouco, mas é verdade,
        uns olhos como todos os outros.

        Já gastámos as palavras.
        Quando agora digo: meu amor...,
        já se não passa absolutamente nada.
        E no entanto, antes das palavras gastas,
        tenho a certeza
        de que todas as coisas estremeciam
        só de murmurar o teu nome
        no silêncio do meu coração.
        Não temos já nada para dar.
        Dentro de ti
        não há nada que me peça água.
        O passado é inútil como um trapo.
        E já te disse: as palavras estão gastas.

        Adeus.

Eugénio de Andrade

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