sexta-feira, 20 de maio de 2011

'NOITE DE SAUDADE'



A noite vem pousando devagar
Sobre a terra que inunda de amargura...
E nem sequer a bênção do luar
A quis tornar divinamente pura...

Ninguém vem atrás dela a acompanhar
A sua dor que é cheia de tortura...
E eu ouço a noite a soluçar!
E eu ouço soluçar a noite escura!

Por que é assim tão escura, assim tão triste?!
É que, talvez, ó noite, em ti existe
Uma saudade igual à que eu contenho!

Saudade que eu nem sei donde me vem...
Talvez de ti, ó noite!... Ou de ninguém!...
Que eu nunca sei quem sou, nem o que tenho!

Florbela Espanca
in A mensageira das violetas.

...



"Estou sentadoà beira-mar, olhando o mar sem o ver.
Voa no meu pensamento, a dança e contradança de lembrar e esquecer.
Não sei se vou esquecer.
E enquanto sei e não sei;
Estou sentado à beira-mar, olhando o mar sem o ver.
Na tal dança, contradança de pensar e não pensar, pressinto que vou sentir lágrimas no meu olhar.
E enquanto sinto e não sinto, atiro pedras ao mar.”


Milan Kundera

'A NOITE'



Brilha o céu, mas em vão soluça de brada
A terra ansiosa, com pueril receio!
É densa a treva; nessa paz calada
Funda tristeza nos oprime o seio!

Tudo fenece, embaixo da orvalhada
Repousa o campo de perfumes cheio!
Negro é o mar, a floresta sossegada,
Dormem as aves da espessura em meio!

Embalde a noite traiçoeira e linda
Enche de encanto os bosques e atalhos,
E, enquanto de fulgor o espaço alinda,

Seu manto enfeita de gentis orvalhos:
Mentem os ermos na amplidão infinda!
Mentem as flores a tremer nos galhos!

Julia da Costa
(Versão encontrada em Marinha, Ano VI, n.56, 1882)
(1844-1911)

O BANDOLIM



Cantas, soluças, bandolim do Fado
E de Saudade o peito meu transbordas;
Choras, e eu julgo que nas tuas cordas,
Choram todas as cordas do Passado!

Guardas a alma talvez d'um desgraçado,
Um dia morto da Ilusão as bordas,
Tanto que cantas, e ilusões acordas,
Tanto que gemes, bandolim do Fado.

Quando alta noite, a lua é fria e calma,
Teu canto vindo de profundas fráguas,
É como as nênias do Coveiro d'alma!

Tudo eterizas num coral de endechas...
E vais aos poucos soluçando mágoas,
E vais aos poucos soluçando queixas!

Augusto dos Anjos

AS ESTRELAS DO LAGO



Havia, ontem à noite, tanta estrela
A tremer, a luzir n’água do lago,
Que eu pensei que era o céu
Que, por artes de algum mago,
Tinha descido à terra, de repente! ...
Parei-me junto ao lago, contemplando ...
E as estrelas, uma a uma,
Como espuma,
À flor d’água tremiam, refulgiam ...
Mas pouco a pouco foram reduzindo
O seu brilho,
E desapareceram ...

Olhei o céu: Lá estavam todas elas
A tremer, a brilhar! ...
Por certo riam
Da minha ingênua confusão ...
Que importa! ...
As estrelas do céu também se apagam.

Terra e céu cabem juntos
Dentro do mesmo sonho e da mesma ilusão ...


Emilio Kemp
in ‘Cantos de Amor ao Céu e à Terra’
(1873-1955)

...


“Vai passar, tu sabes que vai passar.
Talvez não amanhã, mas dentro de
uma semana, um mês ou dois, quem
sabe? O verão está aí, haverá sol
quase todos os dias, e sempre resta
essa coisa chamada "impulso vital".
Pois esse impulso às vezes cruel,
porque permite que a dor insista
por muito tempo, te empurrará
quem sabe para o sol, para o mar,
para uma nova estrada qualquer e,
de repente, no meio de uma frase
ou de um movimento te surpreenderás
pensando algo assim como "estou
contente outra vez”.


Caio Fernando Abreu

...


Te desejo uma fé enorme
em qualquer coisa, não importa o que,
como aquela fé que a gente teve um dia,
me deseja também uma coisa bem bonita,
uma coisa qualquer maravilhosa,
que me faça acreditar em tudo de novo,
que faça a cada um de nós acreditar em tudo outra vez.”


Caio Fernando Abreu
(1948/1996 )

‘VEM, PRIMAVERA’



Vai embora, inverno...
Leva contigo o frio,
a solidão, a saudade
e deixa vir a primavera
vestir a terra de flores,
de verde, vida e cores.

Vem, primavera:
contigo renasce a vida,
brota de novo a poesia,
renova-se a esperança.

Vem, primavera:
lança sobre nós o sol,
raio de luz, força e cor,
essência de vida de nós,
pequenos filhos da terra.

Vem, primavera,
e traz contigo
a flor do jacatirão...
A festa da vida recomeça
e eu te festejo, primavera!


Luiz Carlos Amorim

'O que eu amo'




Amo o silêncio dos lagos,
A viração das campinas,
Amo o céu, a paz dos ermos
E as estrelas peregrinas.

Amo a vida, o espaço, o sol,
A esperança que suponho
Ser minha eterna guarida
Nos trigais loiros do sonho.

Amo as aves intranqüilas,
Nos bosques cantando amores,
Amo a linda primavera
Que traz sonhos, sons e flores.

Amo o remanso das noite,
A nostalgia do luar,
Também amo as pequeninas
Estrelas do teu olhar.

Zoraide Leonel Ferreira
(1920)

...


Ter saudade é viver
Não sei que vida é a minha
Que hoje só tenho saudades
De quando saudades tinha.


Passei longe pelo mundo
Sou o que o mundo seu fez,
Mas guardo na alma da alma
Minha alma de Português.


E o Português é saudades
Porque só as sente bem
Quem tem aquela palavra
Para dizer que tem.


Fernando Pessoa

'SAUDADE'




Saudade é o cantar apaixonado
De um sabiá em tarde branda e linda;
É o espelho indelével do passado
Com a imagem de alguém que se ama ainda.

Saudade é um riso triste, amargurado,
Disfarçando uma dor cruel, infinda...
Bater de um coração descompassado
Na avidez de esperar provável vinda.

É a noite mal dormida, o olhar sofrido;
Dentro de nós o peito dolorido
Prestes a explodir de ansiedade...

É a lágrima discreta, comovente,
Rolando pela face, lentamente
Acolhendo terrível realidade.


Bernardina Vilar
(1928-1997)

'Soneto da Saudade'



O céu desperta triste, em tom cinzento,
qual lhe fora penoso um novo dia;
aos poucos, verte, em gotas, seu lamento...
Um pranto ensimesmado, de agonia.


Um rouco trovejar, pesado, lento,
parece suplicar por alforria,
num rogo já exangue, sem alento...
A chuva... O cinza... A dor... A nostalgia...


O céu despertou triste... O céu sou eu,
perdida num sonhar que feneceu,
sou prisioneira à espera de mercê.


Sonhando conquistar a liberdade
desta prisão, que existe na saudade...
Saudade, tanta, tanta... De você!


Patrícia Neme

"Voz da saudade"



Saudade é quand'alma chora
O vazio que em nós ficou
De tudo o que foi embora
E na vida nos tocou !...

É a voz da emoções
Que acorda o sentimento
Em rios de divagações
Que correm sempre em lamento.

É lembrança entristecida
Que em nós dói profundamente
Dum alguém da nossa vida
Que partiu ou está ausente...

É dor no peito calada
E que a nossa alma invade
De memórias feitas nada...
Apenas... Voz da saudade !...


Euclides Cavaco

‘HORA FESTIVA’



Brilha o sol no infinito! A natureza em festa
Mostra um raro primor, por toda parte exulta
A flor, a estremecer no galho em que se oculta,
E o pássaro, a cantar, doce prazer atesta.

Nem um traço sombrio no horizonte resta,
Tudo azul a sorrir... pela leveza inculta,
Brinca a luz, q’entre as ramas trêmulas se enfresta,
Enquanto cresce o dia, enquanto o dia avulta.

Perfumes no ambiente... aves pipilam... cantam
A linfa de cristal cujo murmúrio encanta
O espírito do poeta aureolado em dor.

Bendita seja tu, oh! Grande natureza,
Fonte eterna de paz, de graça, de beleza,
Que infiltras dentro em nós o bem, a luz, o amor!

Francisca Clotilde,
in ‘A Estrella,’ jan. de 1916

"NINGUÉM"



Ninguém se engane se soar a hora,
se todos os relógios, de repente,
gaguejarem nem sei que dor fremente
que nunca veio e não se foi embora.

Ninguém se engane se souber quem chora,
que um grande choro convulsivo e quente
virá das coisas como espada ardente
atravessando a carne ontem, agora.

Ninguém se engane se dos seus papéis,
dos seus livros inertes, um lamento
terrível se levante como um vento
de maldição e de intenções cruéis.

Tudo, a este instante, é como um grande grito
quase a romper as cercas do infinito.


Alphonsus Guimarães Filho
De 'Discurso no Deserto'
(1918-2008)

‘LUAR DE ABRIL’



Branco luar de Abril, falena aurifulgente
que espalmas no infinito as asas ideais,
teu lívido fulgor revive-me na mente,
o tempo que passou e que não volta mais ...

Cismando à tua luz, calma e serenamente,
um dia longe ouvi sonoros madrigais ...
Então, eram minh’alma um lago transparente
refletindo o esplendor das plagas siderais.

Crisântemo do azul, inspiração do poeta,
contemplando-te assim, dentro da noite quieta,
o mago rouxinol do Sonho ouvi cantar:

De um momento feliz a gente não se esquece,
branco luar de Abril, a alma não envelhece
e dentro de minh’alma esplende outro luar.


Emiliana Delminda
in ‘Folhas Caídas’
(1865-1963)

...


Há uma rosa caída
Morta
Há uma rosa caída
Bela
Há uma rosa caída
Rosa

Maria Ângela Alvim