segunda-feira, 6 de junho de 2011
A Vida e o Tempo
Quando chegaste inteiro
bendisse o tempo que te lapidou
em dias de sol,
ancoradouro dos sonhos meus
Sejamos o infinito
do verbo que rimamos,
completando a oração
que vivemos e sonhamos
Passamos com o tempo,
juntamos pedaços da vida,
resto do que fomos,
desalinhados e disformes,
parte de sonhos formados por nós
Conceição Bentes
Publicado no Recanto das Letras em 03/06/2011
Código do texto: T3012018
sexta-feira, 20 de maio de 2011
'NOITE DE SAUDADE'
A noite vem pousando devagar
Sobre a terra que inunda de amargura...
E nem sequer a bênção do luar
A quis tornar divinamente pura...
Ninguém vem atrás dela a acompanhar
A sua dor que é cheia de tortura...
E eu ouço a noite a soluçar!
E eu ouço soluçar a noite escura!
Por que é assim tão escura, assim tão triste?!
É que, talvez, ó noite, em ti existe
Uma saudade igual à que eu contenho!
Saudade que eu nem sei donde me vem...
Talvez de ti, ó noite!... Ou de ninguém!...
Que eu nunca sei quem sou, nem o que tenho!
Florbela Espanca
in A mensageira das violetas.
...
"Estou sentadoà beira-mar, olhando o mar sem o ver.
Voa no meu pensamento, a dança e contradança de lembrar e esquecer.
Não sei se vou esquecer.
E enquanto sei e não sei;
Estou sentado à beira-mar, olhando o mar sem o ver.
Na tal dança, contradança de pensar e não pensar, pressinto que vou sentir lágrimas no meu olhar.
E enquanto sinto e não sinto, atiro pedras ao mar.”
Milan Kundera
'A NOITE'
Brilha o céu, mas em vão soluça de brada
A terra ansiosa, com pueril receio!
É densa a treva; nessa paz calada
Funda tristeza nos oprime o seio!
Tudo fenece, embaixo da orvalhada
Repousa o campo de perfumes cheio!
Negro é o mar, a floresta sossegada,
Dormem as aves da espessura em meio!
Embalde a noite traiçoeira e linda
Enche de encanto os bosques e atalhos,
E, enquanto de fulgor o espaço alinda,
Seu manto enfeita de gentis orvalhos:
Mentem os ermos na amplidão infinda!
Mentem as flores a tremer nos galhos!
Julia da Costa
(Versão encontrada em Marinha, Ano VI, n.56, 1882)
(1844-1911)
O BANDOLIM
Cantas, soluças, bandolim do Fado
E de Saudade o peito meu transbordas;
Choras, e eu julgo que nas tuas cordas,
Choram todas as cordas do Passado!
Guardas a alma talvez d'um desgraçado,
Um dia morto da Ilusão as bordas,
Tanto que cantas, e ilusões acordas,
Tanto que gemes, bandolim do Fado.
Quando alta noite, a lua é fria e calma,
Teu canto vindo de profundas fráguas,
É como as nênias do Coveiro d'alma!
Tudo eterizas num coral de endechas...
E vais aos poucos soluçando mágoas,
E vais aos poucos soluçando queixas!
Augusto dos Anjos
AS ESTRELAS DO LAGO
Havia, ontem à noite, tanta estrela
A tremer, a luzir n’água do lago,
Que eu pensei que era o céu
Que, por artes de algum mago,
Tinha descido à terra, de repente! ...
Parei-me junto ao lago, contemplando ...
E as estrelas, uma a uma,
Como espuma,
À flor d’água tremiam, refulgiam ...
Mas pouco a pouco foram reduzindo
O seu brilho,
E desapareceram ...
Olhei o céu: Lá estavam todas elas
A tremer, a brilhar! ...
Por certo riam
Da minha ingênua confusão ...
Que importa! ...
As estrelas do céu também se apagam.
Terra e céu cabem juntos
Dentro do mesmo sonho e da mesma ilusão ...
Emilio Kemp
in ‘Cantos de Amor ao Céu e à Terra’
(1873-1955)
...
“Vai passar, tu sabes que vai passar.
Talvez não amanhã, mas dentro de
uma semana, um mês ou dois, quem
sabe? O verão está aí, haverá sol
quase todos os dias, e sempre resta
essa coisa chamada "impulso vital".
Pois esse impulso às vezes cruel,
porque permite que a dor insista
por muito tempo, te empurrará
quem sabe para o sol, para o mar,
para uma nova estrada qualquer e,
de repente, no meio de uma frase
ou de um movimento te surpreenderás
pensando algo assim como "estou
contente outra vez”.
Caio Fernando Abreu
...
‘VEM, PRIMAVERA’
Vai embora, inverno...
Leva contigo o frio,
a solidão, a saudade
e deixa vir a primavera
vestir a terra de flores,
de verde, vida e cores.
Vem, primavera:
contigo renasce a vida,
brota de novo a poesia,
renova-se a esperança.
Vem, primavera:
lança sobre nós o sol,
raio de luz, força e cor,
essência de vida de nós,
pequenos filhos da terra.
Vem, primavera,
e traz contigo
a flor do jacatirão...
A festa da vida recomeça
e eu te festejo, primavera!
Luiz Carlos Amorim
'O que eu amo'
Amo o silêncio dos lagos,
A viração das campinas,
Amo o céu, a paz dos ermos
E as estrelas peregrinas.
Amo a vida, o espaço, o sol,
A esperança que suponho
Ser minha eterna guarida
Nos trigais loiros do sonho.
Amo as aves intranqüilas,
Nos bosques cantando amores,
Amo a linda primavera
Que traz sonhos, sons e flores.
Amo o remanso das noite,
A nostalgia do luar,
Também amo as pequeninas
Estrelas do teu olhar.
Zoraide Leonel Ferreira
(1920)
...
'SAUDADE'
Saudade é o cantar apaixonado
De um sabiá em tarde branda e linda;
É o espelho indelével do passado
Com a imagem de alguém que se ama ainda.
Saudade é um riso triste, amargurado,
Disfarçando uma dor cruel, infinda...
Bater de um coração descompassado
Na avidez de esperar provável vinda.
É a noite mal dormida, o olhar sofrido;
Dentro de nós o peito dolorido
Prestes a explodir de ansiedade...
É a lágrima discreta, comovente,
Rolando pela face, lentamente
Acolhendo terrível realidade.
Bernardina Vilar
(1928-1997)
'Soneto da Saudade'
O céu desperta triste, em tom cinzento,
qual lhe fora penoso um novo dia;
aos poucos, verte, em gotas, seu lamento...
Um pranto ensimesmado, de agonia.
Um rouco trovejar, pesado, lento,
parece suplicar por alforria,
num rogo já exangue, sem alento...
A chuva... O cinza... A dor... A nostalgia...
O céu despertou triste... O céu sou eu,
perdida num sonhar que feneceu,
sou prisioneira à espera de mercê.
Sonhando conquistar a liberdade
desta prisão, que existe na saudade...
Saudade, tanta, tanta... De você!
Patrícia Neme
"Voz da saudade"
Saudade é quand'alma chora
O vazio que em nós ficou
De tudo o que foi embora
E na vida nos tocou !...
É a voz da emoções
Que acorda o sentimento
Em rios de divagações
Que correm sempre em lamento.
É lembrança entristecida
Que em nós dói profundamente
Dum alguém da nossa vida
Que partiu ou está ausente...
É dor no peito calada
E que a nossa alma invade
De memórias feitas nada...
Apenas... Voz da saudade !...
Euclides Cavaco
‘HORA FESTIVA’
Brilha o sol no infinito! A natureza em festa
Mostra um raro primor, por toda parte exulta
A flor, a estremecer no galho em que se oculta,
E o pássaro, a cantar, doce prazer atesta.
Nem um traço sombrio no horizonte resta,
Tudo azul a sorrir... pela leveza inculta,
Brinca a luz, q’entre as ramas trêmulas se enfresta,
Enquanto cresce o dia, enquanto o dia avulta.
Perfumes no ambiente... aves pipilam... cantam
A linfa de cristal cujo murmúrio encanta
O espírito do poeta aureolado em dor.
Bendita seja tu, oh! Grande natureza,
Fonte eterna de paz, de graça, de beleza,
Que infiltras dentro em nós o bem, a luz, o amor!
Francisca Clotilde,
in ‘A Estrella,’ jan. de 1916
"NINGUÉM"
Ninguém se engane se soar a hora,
se todos os relógios, de repente,
gaguejarem nem sei que dor fremente
que nunca veio e não se foi embora.
Ninguém se engane se souber quem chora,
que um grande choro convulsivo e quente
virá das coisas como espada ardente
atravessando a carne ontem, agora.
Ninguém se engane se dos seus papéis,
dos seus livros inertes, um lamento
terrível se levante como um vento
de maldição e de intenções cruéis.
Tudo, a este instante, é como um grande grito
quase a romper as cercas do infinito.
Alphonsus Guimarães Filho
De 'Discurso no Deserto'
(1918-2008)
‘LUAR DE ABRIL’
Branco luar de Abril, falena aurifulgente
que espalmas no infinito as asas ideais,
teu lívido fulgor revive-me na mente,
o tempo que passou e que não volta mais ...
Cismando à tua luz, calma e serenamente,
um dia longe ouvi sonoros madrigais ...
Então, eram minh’alma um lago transparente
refletindo o esplendor das plagas siderais.
Crisântemo do azul, inspiração do poeta,
contemplando-te assim, dentro da noite quieta,
o mago rouxinol do Sonho ouvi cantar:
De um momento feliz a gente não se esquece,
branco luar de Abril, a alma não envelhece
e dentro de minh’alma esplende outro luar.
Emiliana Delminda
in ‘Folhas Caídas’
(1865-1963)
segunda-feira, 11 de abril de 2011
PORTA DE SONHOS
Fiz uma porta de sonhos
com duas partes viradas
para as portas do jardim
os dias foram tamanhos
e de todos fiz os sonhos
que vivi dentro de mim...
Naquelas partes viradas
para as rosas do jardim
inventei uma esperança
de viver de quase nada
e minha vida inventada
do nada restou assim...
A alma nua e penitente
com a calma da manhã
e a memória do jardim
no sonho da primavera
convivendo de quimera
nas duas partes de mim...
Afonso Estebanez
quarta-feira, 6 de abril de 2011
PALAVRAS AO MAR
Mar, belo mar selvagem
Das nossas praias solitárias! Tigre
A que as brisas da terra o sono embalam,
A que o vento do largo eriça o pêlo!
Junto da espuma com que as praias bordas,
Pelo marulho acalentada, à sombra
Das palmeiras que arfando se debruçam
Na beirada das ondas - a minha alma
Abriu-se para a vida como se abre
A flor da murta para o sol do estio.
Quando eu nasci, raiava
O claro mês das garças forasteiras:
Abril, sorrindo em flor pelos outeiros,
Nadando em luz na oscilação das ondas,
Desenrolava a primavera de ouro;
E as leves garças, como folhas soltas
Num leve sopro de aura dispersadas,
Vinham do azul do céu turbilhonando
Pousar o vôo à tona das espumas...
É o tempo em que adormeces
Ao sol que abrasa: a cólera espumante,
Que estoura e brame sacudindo os ares,
Não os sacode mais, nem brame e estoura;
Apenas se ouve, tímido e plangente,
O teu murmúrio; e pelo alvor das praias,
Langue, numa carícia de amoroso,
As largas ondas marulhando estendes...
Ah! vem daí por certo
A voz que escuto em mim, trêmula e triste,
Este marulho que me canta na alma,
E que a alma jorra desmaiado em versos;
De ti, de tu unicamente, aquela
Canção de amor sentida e murmurante
Que eu vim cantando, sem saber se a ouvia,
Pela manhã de sol dos meus vinte anos.
Ó velho condenado
Ao cárcere das rochas que te cingem!
Em vão levantas para o céu distante
Os borrifos das ondas desgrenhadas.
Debalde! O céu, cheio de sol se é dia,
Palpitante de estrelas quando é noite,
Paira, longínquo e indiferente, acima
Da tua solidão, dos teus clamores...
Condenado e insubmisso
Como tu mesmo, eu sou como tu mesmo
Uma alma sobre a qual o céu resplende
- Longínquo céu - de um esplendor distante.
Debalde, o mar que em ondas te arrepelas,
Meu tumultuoso coração revolto
Levanta para o céu como borrifos,
Toda a poeira de ouro dos meus sonhos.
Sei que a ventura existe,
Sonho-a; sonhando a vejo, luminosa.
Como dentro da noite amortalhado
Vês longe o claro bando das estrelas;
Em vão tento alcançá-la, e as curtas asas
Da alma entreabrindo, subo por instantes...
O mar! A minha vida é como as praias,
E o sonho morre como as ondas voltam!
Mar, belo mar selvagem
Das nossas praias solitárias! Tigre
A que as brisas da terra o sono embalam,
A que o vento do largo eriça o pêlo!
Ouço-te às vezes revoltado e brusco,
Escondido, fantástico, atirando
Pela sombra das noites sem estrelas
A blasfêmia colérica das ondas...
Também eu ergo às vezes
Imprecações, clamores e blasfêmias
Contra essa mão desconhecida e vaga
Que traçou meu destino... Crime absurdo
O crime de nascer! Foi o meu crime.
E eu expio-o vivendo, devorado
Por esta angústia do meu sonho inútil.
Maldita a vida que promete e falta,
Que mostra o céu prendendo-nos à terra,
E, dando as asas, não permite o vôo!
Ah! cavassem-te embora
O túmulo em que vives - entre as mesmas
Rochas nuas que os flancos te espedaçam,
Entre as nuas areias que te cingem...
Mas fosses morto, morto para o sonho,
Morto para o desejo de ar e espaço,
E não pairasse, como um bem ausente,
Todo o infinito em cima de teu túmulo!
Fosse tu como um lago,
Como um lago perdido entre as montanhas:
Por só paisagem - áridas escarpas,
Uma nesga de céu como horizonte...
E nada mais! Nem visses nem sentisses
Aberto sobre ti de lado a lado
Todo o universo deslumbrante - perto
Do teu desejo e além do teu alcance!
Nem visses nem sentisses
A tua solidão, sentindo e vendo
A larga terra engalanada em pompas
Que te provocam para repelir-te;
Nem buscando a ventura que arfa em roda,
A onda elevasses para a ver tombando,
- Beijo que se desfaz sem ter vivido,
Triste flor que já brota desfolhada...
Mar, belo mar selvagem!
O olhar que te olha só te vê rolando
A esmeralda das ondas, debruada
Da leve fímbria de irisada espuma...
Eu adivinho mais: eu sinto... ou sonho
Um coração chagado de desejos
Latejando, batendo, restrugindo
Pelos fundos abismos do teu peito.
Ah, se o olhar descobrisse
Quanto esse lençol de águas e de espumas
Cobre, oculta, amortalha!... A alma dos homens
Apiedada entendera os teus rugidos,
Os teus gritos de cólera insubmissa,
Os bramidos de angústia e de revolta
De tanto brilho condenado à sombra,
De tanta vida condenada à morte!
Ninguém entenda, embora,
Esse vago clamor, marulho ou versos,
Que sai da tua solidão nas praias,
Que sai da minha solidão na vida...
Que importa? Vibre no ar, acode os ecos
E embale-nos a nós que o murmuramos...
Versos, marulho! Amargos confidentes
Do mesmo sonho que sonhamos ambos!
Vicente de Carvalho
quarta-feira, 30 de março de 2011
ÀS VEZES
Às vezes, quando um pássaro chama
ou entre os ramos algum vento sopra
ou nalgum pátio longe ladra um cão,
por longo tempo eu escuto e me calo.
Minha alma voa para o passado,
para onde, há mil esquecidos anos,
o pássaro e o vento que soprava
mais pareciam meus irmãos e eu.
Minha alma faz-se uma árvore,
um animal, um tecido de nuvens...
Transfigurada e estranha, volta a mim
e me interroga. Que resposta lhe darei?
Hermann Hesse
in: Andares
(Tradução de Geir Campos)
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