terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Um Sorriso


Vinha caindo a tarde. Era um poente de agosto.
A sombra já enoitava as moutas. A umidade
Aveludava o musgo. E tanta suavidade
Havia, de fazer chorar nesse sol-posto.

A viração do oceano acariciava o rosto
Como incorpóreas mãos. Fosse mágoa ou saudade,
Tu olhavas, sem ver, os vales e a cidade.
- Foi então que senti sorrir o meu desgosto…

Ao fundo o mar batia a crista dos escolhos…
Depois o céu… e mar e céus azuis: dir-se-ia
Prolongarem a cor ingênua de teus olhos…

A paisagem ficou espiritualizada.
Tinha adquirido uma alma. E uma nova poesia
Desceu do céu, subiu do mar, cantou na estrada…

Manuel Bandeira

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

De que são feitos os dias?


De que são feitos os dias?
De pequenos desejos,
vagarosas saudades,
silenciosas lembranças.

Entre mágoas sombrias,
momentâneos lampejos:
vagas felicidades,
inatuais esperanças.

De loucuras, de crime,
de pecados, de glórias,
do medo que encadeia todas essas mudanças.

Dentro deles vivemos,
dentro deles choramos,
em duros desenlaces e em sinistras alianças.


Cecília Meireles.
in Canções.