sexta-feira, 28 de maio de 2010

JARDIM FECHADO


Quem tem um jardim fechado
pode esconder-se do mundo,
para o repouso profundo
do coração torturado.

Quem tem um jardim fechado,
tem santo recolhimento,
tem pensamentos divinos,
tem o silêncio sagrado,
e o tempo a escoar-se tão lento,
tão leve, tão deslumbrado,
que só batem hora os sinos
da torre do Esquecimento.

Num jardim fechado, a vida
pulsa mais funda e secreta.
Nele, a calma apetecida
vem para o desesperado,
os sonhos vêm para o poeta,
a Amada vem para o Amado.

Quem tem um jardim fechado
pode, num gesto profundo,
(se a alma é nobre, não é pequena)
dele trazer para o mundo
este bálsamo sagrado:

Um pouco de paz serena
do coração sossegado.


Tasso da Silveira
in Poemas

quarta-feira, 26 de maio de 2010

ABGAR REANULT


Abgar de Castro Araújo Renault

Nasceu em Barbacena, 15 de abril de 1901 —MG- e faleceu em 31 de dezembro de 1995 no Rio de Janeiro.

Foi um professor, educador, político, poeta, ensaísta e tradutor brasileiro. Ocupou a cadeira número 12 da Academia Brasileira de Letras.

Era filho de Léon Renault e de Maria José de Castro Renault. Foi casado com D. Ignês Caldeira Brant Renault, com quem teve dois filhos, Caio Márcio e Luiz Roberto.

Sua formação escolar deu-se toda em Belo Horizonte, onde começou a exercer o magistério. Trabalhou como professor no Ginásio Mineiro de Belo Horizonte, e na Universidade Federal de Minas Gerais. Mudou-se posteriormente para o Rio de Janeiro onde deu aulas no Colégio Pedro II e na Universidade do Distrito Federal.

Foi eleito deputado estadual por Minas Gerais, e exerceu o cargo de direção no Colégio Universitário da Universidade do Brasil e no Departamento Nacional da Educação. Foi ainda Secretário da Educação do Estado de Minas Gerais em dois governos, quando se notabilizou por incentivar o ensino no meio rural. Depois disso foi também Ministro da Educação e Cultura e Ministro do Tribunal de Contas da União.

Foi membro da Academia Mineira de Letras, da Academia Municipalista de Letras de Belo Horizonte e da Academia Brasiliense de Letras. Pertenceu ao Instituto de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Stanford, Califórnia, EUA, e foi Presidente da Sociedade Brasileira de Cultura Inglesa de Belo Horizonte.

Abgar Renault registrou todos os seus estudos e reflexões em "A palavra e a ação" de 1952 e em "Missões da Universidade" de 1955. Além disso, foi um grande poeta. Fez parte do grupo surrealista moderno e participou do movimento modernista de Minas Gerais. A partir daí aumentou sua participação na literatura contemporânea. Apesar de ter sua obra associada ao Modernismo, fazia uma poesia original, não ligada a nenhuma escola poética.

Como tradutor especializou-se em poetas alemães, espanhóis, ingleses, estado-unidenses, e franceses. Era um especialista em Shakespeare. Sua poesia tem sido incluída em antologias no Brasil e no exterior.

Foi eleito em 1º de agosto de 1968 tomando posse em 23 de maio de 1969 da Cadeira nº 12, que tem por Patrono França Júnior, com saudação pelo acadêmico Deolindo Couto, sendo o seu 5º ocupante.

SONETO ONÍRICO

No rumo do corrupto firmamento
a chuva chove a sua chuva inata
e o cavalo de som de negro vento
verticalmente voa se arrebata.

Entra a palavra azul num pensamento,
e um silêncio de vozes se desata;
crescem mares no tanque do momento,
surge de cada canto um cascata.

Sombras intersexuais desfilam nuas,
carregando verônicas de luas
nas caprichosas mãos de lírios e árias.

Prado viúvos se vestem de namoro
e abrem as flores guarda-chuvas de ouro
sob o sol das piscinas planetárias.

1952



Abgar Renault
In: Obra In: Obra Poética

EPISÓDIO

Ah! sombra de asa fugitiva
no solo adusto e desolado
deste deserto ensolarado,
sem nem sequer uma miragem
no desespero da viagem...
Ah! sombra de asa fugitiva.


Abgar Renault
in Obra Poética

RETORNO DE PASÁRGADA

Do que vi, do que fiz, do que compus, do que andei
nos palácios, nas ilhas, nas selvas, nos astros da rainha do rei,
só ficou este repleto silêncio, a unânime solidão
que escorre, negro luar, de dentro para fora,
e desce a rampa onde enterrei a aurora.
De tudo, na tristeza de cinza de cada mão.
trouxe uma flor defunta e, na profundidade do meu chão,
dura lágrima que não usarei.


Abgar Renault
In: Obra Poética

SOLIDÃO

O rio se entristece sob a ponte.
Substância de homem na torrente escura
flui, enternecimento ou desventura,
misturada ao crepúsculo bifronte.

Antes que débil lume além desponte,
a sombra, que se apressa, desfigura
e apaga o casario em sua alvura
e a curva esquiva e sábia do horizonte.

Os bois fecham nos olhos os arados,
o pasto, a hora que tomba das subidas.
Dorme o ocaso, pastor, entre as ovelhas.

Sobem névoas dos vales fatigados
e das árvores já enoitecidas
pendem silêncios como folhas velhas.

29.12.51


Abgar Renault
In: Obra Poética

CANÇÃO OCULTA

A onda de mar e céu, redonda,
durou nos ares um sorriso.
Nenhum poder claro ou inviso
deteve no ar a débil onda.

Um esvair-se em vácuo e treva
do vôo da ave itercadente.
Música silenciosamente
mergulhada, que o tempo leva.

O sonho côncavo buscando-se
no aço do espelho convexo,
que ria incólume, sem sexo,
sem uma imagem, mas brilhando.

O gesto de nuvens e de águas,
a aragem, a palavra, a rosa,
a intraduzível, soluçosa
sombra de vento sobre as águas.


Abgar Renault
In: Obra Poética

PEQUENO QUADRO DE QUALQUER DIA DE VERÃO

Vagos ruídos de construção distante.
Vozes de crianças a disputar o vento que passa.
Árvores antigas inclinam-se pesadas
sob incisivas inscrições de eternos amores esquecidos
Longe, nas águas repousadas,
brincam e somem-se súbitos clarões
indecisos entre claro azul e não sei que verde.
Sob restos de um sol suarento a tarde
busca um simulacro de arrepio;
caminha a noite, a mesma noite de todo sempre e nunca:
deserto e insone o coração afunda-se na treva.


Abgar Renault
In: Obra Poética

ERAT HORA

Era nítida a hora e, nela ocultos,
ninhos arfavam sufocados:
não ouviste os afligidos pássaros,
não colheste a flor pendente que se fingia esquiva.
E, todavia, aquela foi a hora, a única, a só;
não retornará no teu quadrante já em sol.
Quebra os pulsos, morde a língua, rompe os lábios
e pede ao primeiro passante que te enterre vivo
sob a cinza da hora que deixaste passar,
da hora diante de cujos umbrais recuaste,
-a clara porta escancarada em fior.


Abgar Renault
In: Obra Poética

FRIO DIA DE CHUVA

E sou o mesmo que saí.
Volto e me vejo como me vi.
Nada de novo me aconteceu.
Eu sou irremediavelmente um só: eu,
eu da cabeça aos pés.

Mas não trouxe o que fora comigo:
alguma coisa me ficou perdida
nas ruas, nos passeios, nos cafés,
e estou ausente, molhado, amigo e inimigo,
entre mulheres, vagabundos, crianças, o frio, a chuva desta vida.

Abgar Renault
in Obra poética

EM VIAGEM

Montanhas, vales, céus – tudo nevoento.
Toda a paisagem num burel de bruma,
que ora se adensa, ora se esgarça e esfuma,
e é um bocejo de tédio e desalento

Planície aqui; além surge e se apruma
o cabeço de um monte. Agora, lento,
um rio serpenteia e, sem intento,
despenha, ao longe, vórtices de espuma.

Desperta, enfim, minh’alma adormecida,
numa ânsia intensa de emoções estranhas ...
A dor é um triste aceno que me convida ...

Saudade minha! és tu que me acompanhas,
através da tristeza indefinida
destes céus, destes vales e montanhas.


Abgar Renault
in Obra Poética

QUATRO VELAS

Era uma paisagem de fluidez de luz,
que abria a luz e nela recortava os seus contornos.
Eua vira uma vez, antes de vê-la,
como quem adivinha dentro da escuridão
uma presença ou ainda atrás do céu
a forma, a cor e o fogo de uma estrela,
e a reconhece toda quando raia.
Vi-a depois (em que mar? junto a que praia?)
e, buscando-a, navegaram uma água verde e lisa
as minhas quatro velas rubras e tontas ...

Fulgura uma só vez em cada mundo essa visão.
Não reaparecerá. E para que aparecer de novo ?
As órbitas vazias não saberão que já tiveram olhos,
a memória será vento e areia para que nada lembre
e, coberta de pedras, de musgos e de mofo,
a vida já terá enoitecido para sempre.


Abgar Renault
in Obra Poética

A BUSCA

Como foi preciso distanciar-me de ti
para encontrar-te!
Oh! a sublevação das ondas do meu mar!
Oh! o desvio da bússola e da proa
que buscavam, sem saber, o teu porto ambíguo
e o teu cais sem degraus sob a noite de água e pedra,
os arredores da tua vida.


Abgar Renault
in Obra Poética

DE NINGUÉM

São do olhar(de mais nada de ninguém)
a luva ardente e a rosa abandonadas;
a solidão dos braços com braçadas
de áspides, de papoulas e de além;

e, esquecida de quando, o que e quem,
a forma de sozinhas alvoradas,
com luzes para todas as estradas
e as mesmas bordas que o infinito tem.

Não terás, minha mão, a solta luva,
nem fecharei em mim a nua rosa;
dos braços sem abraços não verei

as curvas de ouro e de ouro em minha curva,
- e atiro mágoa e vida à boca ansiosa
cujo silêncio não conhecerei.


Abgar Renault
in Obra Poética

TEMA ETERNO

Amar-vos sem sonhar breve esperança
de na fuga dos dias vos reter
- eis, Dama, cujo desamor não cansa,
meu cego modo natural de ser.

Dobrado à vossa face de esquivança,
volvendo acre pesar em vão prazer,
de si não tem nenhuma segurança
quem vos quer sem querer e por querer.

Sou afligido barco de naufrágios,
cheio de estrelas, de corais e rosas;
deste impossível no impassível mar

soçobrarei, levando estes presságios,
esta carga, estas velas já saudosas
da loucura do inútil navegar.

Abgar Renault
in Obra poética – l.990 -

VAI CHOVER

Vai chover, e eu vou estar mais triste.
Chuva é distância: esfuma, apaga, esconde.
Doerei por não saber por não saber se ainda existe
o verde luar e sonha um quando e um onde.

(É talvez mais mortal haver sorrido
que ter chorado: talvez guarde a boca
sombras que os o,lhos já terão perdido...)
Sinto distância em mim. A vida é oca,

e dentro dela chovo, transbordando,
minha cinza, meu longe, estes em que ando
restos de sons e faces de arrebol;

e vejo entre submissa névoa e vento
reabrir-se em curva de ouro o pensamento
das horas que moraram no teu sol.



Abgar Renault
Obra Poética – l.990 –

DESINTEGRAÇÃO

Eu tenho o coração cheio de coisas para dizer...
E a minha voz, se eu acaso falasse,
teria a força de uma revelação!
Meu espírito palpita ao ritmo desordenado e aflito
de asas prisioneiras que se dilaceraram
na arrancada impossível da libertação e da altura.
Minhas mãos tremem ainda ao contato
imaterial, sobre-humano e fugitivo
de qualquer coisa além e acima deste mundo...
Adormeceu para sempre no fundo dos meus olhos
a saudade de paisagens estranhas e longínquas,
que nunca, nunca mais voltarão neste tempo e neste espaço.
Doem meus olhos. Tremem, ansiosas, as minhas mãos.
Meu espírito palpita. Tenho o coração cheio de coisas para dizer...
Eu estou vivo, Senhor! mas, em verdade, é como se estivesse morto...


Abgar Renault

BALADA DA IRREMEDIÁVEL TRISTEZA

Eu hoje estou inabitável...
Não sei por quê,
levantei com o pé esquerdo:
o meu primeiro cigarro amargou
como uma colherada de fel;
a tristeza de vários corações bem tristes
veio, sem quê, nem por quê,
encher meu coração vazio...vazio...
Eu hoje estou inabitável...
A vida está doendo...doendo...
A vida está toda atrapalhada...
Estou sozinho numa estrada
fazendo a pé um raid impossível.
Ah! se eu pudesse me embebedar
e cambalear...cambalear...
cair, e acordar desta tristeza
que ninguém, ninguém sabe...
Todo mundo vai rir destes meus versos,
mas jurarei por Deus, se for preciso:
eu hoje estou inabitável...


Abgar Renault
Obra Poética – 1.990 –

MANHÃ

Silenciosa manhã ! A minha estrada,
prevendo longe tanto céu desperto,
acorda a linha dúbia do deserto
e embarca na distância iluminada.

De entressonhar o teu fulgor tão perto,
recompõe-se partida badalada
e enganoso esplendor de tudo ou nada
ilude gasto calendário aberto.

O desejoso chão de águas chorosas,
este ar, a cor de dúvida das rosas
esperam com seu canto retardio

a chegada sem voz do teu minuto,
teu sorrir, tua luz, teu verde fruto
e o jamais do teu fúlgido navio.


Abgar Renault
Obra Poética – 1.990 -

SONETO DO EQUÍVOCO

Como se eu fosse este ar que atravessaste,
conservo em mim o rastro reticente
de linhas de água, fogo, asa e serpente,
composição de Deus erguida em haste.

Como se fosse o rio que cruzaste,
sonho uma barca de ouro transcendente,
que me navega tempestuosamente
com seus remos de música e contrasta.

Como se fosse o espelho em que te viste,
fende-se em minha sombra um cristal triste.
(Flores e ninhos buscam tua mão.)

Como se fosse o deus a quem amasses,
compreendo o fluido rosto de mil faces,
do alto leio a raiz no último chão.


Abgar Renault
Obra Poética – 1.990 –

SONETO MELANCÓLICO

Quando o teu sol de luar de ti se esquece,
e seus raios, ausentes, se consomem
sobre o pesar, a nódoa, o abismo e a prece
da minha obscura circunstância de homem;

ou quando a sombra do teu dedo cobre
a minha estrada e a minha sede antigas,
e o teu rumor lava o meu mundo pobre,
com arco-íris, ovelhas e cantigas;

ou, no ar, a tua forma transeunte
relâmpagos escreve, e frutos, e ondas,
não sei o que suplique, nem pergunte,

e bebo o escuro do silêncio aberto,
por temer, ó manhã, que me respondas
tua escada de fogo e o meu deserto.


Abgar Renault
Obra Poética – 1.990 -

DISFARCE DE DEUS

Tua catastrófica e plácida beleza aterra os homens
e paralisa a memória dos olhos, dos espelhos e das águas.
Depois que aconteceste (quem foi que te pode acontecer?),
na terra as flores se desconheceram e deixaram de ser,
no céu as estrelas tombam de fascinação e de insônia pálida.

Um momento da tua corporal iluminação
- fugitivo das muralhas da eternidade –
lava o preclaro noturno céu das manhãs pedrentas;
a passagem astral dos teus pés acorda o chão,
e tu desmanchas os caminhos das horas, e um teu gesto esculpe os rostos da verdade.

Vê estes pássaros imóveis e sem canto;
vê este mar que naufragou na tua praia;
ouve o amoroso pensamento que os teus vestidos enche de seu espanto;
sente o gosto deste raio de sol que se ofuscou na alva luz da tua pele;
contempla o universo cúmplice que do teu núcleo raia;
mede os périplos de assombros e descobrimentos que tuas mãos sugerem;
entra depois os neutros olhos nas furnas de treva dos cegos:
terás pena dos que não adivinharam o novo disfarce de Deus,
pena maior dos que reconheceram os abismos de impossível que suas fechadas mãos puseram
na argila, na relva, no ar, nas árvores, nos sons e nos silêncios
das vidas em que velejou de leve, por um momento, a tua sombra avulsa.


Abgar Renault
Obra Poética – 1.990 -

ELEGIA II

Estou hoje o senhor de todas as tristezas:
presenças no olhar são-me ausências na alma,
as palavras não têm sentido ou não têm voz:
só vejo, respiro e escuto pálidas solidões,
desesperanças finais, longas lástimas apenas em começo,
e alongo-me de mim sem de todo
ausentar-me.
Já nada mais pode caber dentro das mãos sem desejo:
nem recolhem do chão esses fios partidos,
-desenrolados de tão longe-
em que se emaranham restos meus mortos e dos meus vivos...
Os lábios sorriem por engano,sem saber que sorriem.
A alma vacila,insone, velando fundas distâncias.
Não há mais lágrimas para chorar.
Os olhos envelheceram o dia,
e a noite caiu antes do tempo,
cheia de cinza e de silêncio
como o tempo.


Abgar Renault

PARA ESQUECER

Para esquecer as nuvens cor de fruto,
o acenar do crepúsculo absoluto
e este ficar-me em restos retardios,
a minha sombra escrevo entre dois rios.

Cada minuto é o último minuto,
e com meus olhos e meus dedos luto,
e de cegueira teço ávidos fios
sobre pêndulos, pedras, poços frios.

A vida cabe em minha boca ardente,
e eu a soletro, em fuga, no acidente
de disparadas linhas. E o que existe,

o que de meu mais fundo mim afogo
sob a ilusão de verbo, rosa e fogo
é engano, rastro e som de um homem triste.

Abgar Renault

segunda-feira, 17 de maio de 2010


Nació en Apiay, Villavicencio, Colombia, 1913 - Colombia, 1985.
En 1939, junto con otros poetas creó el movimiento literario conocido como "Piedra y Cielo", de gran importancia renovadora en la poesía colombiana. Como diplomático vivió en Chile y en España donde fue exitoso como poeta, catedrático y conferencista. Fue Director de la Biblioteca Nacional de Colombia y de las Bibliotecas Públicas de Bogotá. Murió en esta ciudad en 1985. Sobre la obra de Carranza se ha dicho: "La lírica de Carranza se caracteriza por un deslumbrante don metafórico, de origen intuitivo, a través del cual va cristalizando todas las cosas del mundo y del ser, en una transparente sinfonía. Nadie como él poseyó el secreto de las formas aéreas, translúcidas, sin perder algo así como una fuerza profunda y poderosa que brota de la tierra, del amor, de los héroes, del dolor, de la muerte, en fin, de todos los grandes temas humanos."

SONETO SENTIMENTAL


Eres el cuámndo, el dónde y el porqué.
La respuesta final enardecida
a mi pregunta de toda la vida.
Lo que es, lo que será y lo que fue.

Si hacia otro instante avanzo el pie,
si viajo a una ciudad entredormida,
si la súbita estrella aparecida:
eres el cuándo, el dónde y el porqué.

Si me llevo la mano hacia la herida,
si ocupo este planeta y este día
y oye mi frente una palabra fiel,

si confundo llegada y despedida,
si en mis venas el tiempo desvaría:
eres el cuándo, el dónde y el porqué.

Eduardo Carranza

Imagen casi perdida


Eres como la luz alta y delgada.
Como el viento eres clara sin saberlo.
Vacila tu actitud como la tarde
suavemente inclinada sobre el mundo.

Eres hecha de sueños olvidados
y te olvido de pronto, como a un sueño;
mi corazón te busca como el humo
busca la altura y hacia ella muere.

Como una tibia flor te lleva el día
prendida entre sus labios. Eres alta,
azul, delgada, y recta como un silbo.
Te recuerdo de pronto como a un sueño.

Eduardo Carranza

Elegía pura

Aún me dura la melancolía.
Allá por el sinfín cantaba un gallo
agrandando el silencio perla y malva
en que el lucero azul se disolvía.

Olía a cielo, a ella, a poesía.
Sin volver a mirar me fui a caballo.
Maduraban las frutas y sus frutas.
A ella y a jardín secreto, olía.

Me fui, me fui como por un romance
donde fuera el doncel que nunca vuelve...
la casa se quedó con su ventana,

hundida entre la ausencia, al pie del alba.
Flotó su mano y yo me fui a caballo.
Aún me dura la melancolía.

Eduardo Carranza

Tema de fuego y mar


Sólo el fuego y el mar pueden mirarse
sin fin. Ni aún el cielo con sus nubes.
Sólo tu rostro, sólo el mar y el fuego.
Las llamas, y las olas, y tus ojos.

Serás de fuego y mar, ojos oscuros.
De ola y llama serás, negros cabellos.
Sabrás el desenlace de la hoguera.
Y sabrás el secreto de la espuma.

Coronada de azul como la ola.
Aguda y sideral como la llama.
Sólo tu rostro interminablemente.
Como el fuego y el mar. Como la muerte.

Eduardo Carranza

'CANÇÃO'


Passa o vento de outono
derrubando a tarde:
caem torres douradas,
folhas azuis caem.

E passa o tempo louco
derrubando os sonhos:
caem torres de amor,
trêmulas folhas caem.

No vazio cai,
sem fim, meu coração.
Nada pode salvar-me.
Deus sabe que estou morto.

Sobre mim passa um rio
de esquecimento sem remédio.
Acima cruzam flores.
Sei que ninguém me ouve.

Eduardo Carranza
In: 'Antologia Poética'

Soneto a la rosa


En el aire quedó la rosa escrita.
La escribió, a tenue pulso, la mañana.
Y, puesta su mejilla en la ventana
de la luz, a lo azul cumple la cita.

Casi perfecta y sin razón medita
ensimismada en su hermosura vana;
no la toca el olvido, no la afana
con su pena de amor la margarita.

A la luna no más tiende los brazos
de aroma y anda con secretos pasos
de aroma, nada más, hacia su estrella.

Existe, inaccesible a quien la cante,
de todas sus espinas ignorante,
mientras el ruiseñor muere por ella.

Eduardo Carranza

VAGO SONETO


É a mão da névoa a que escreve
o epitáfio desta bela tarde.
E é o rosto da névoa o que sorri
como quem chega de uma linda viagem.

A lua se antecipa nos jasmins.
Como um perfume se evapora o vale.
E entre os dedos da distância
é a rosa da névoa a que se abre.

É a boca da névoa a que cala.
E é a fronte da névoa a que sonha
para meus olhos este vago mundo.

Em seu ramo a primeira estrela canta.
Somente se ouve fluir sobre a terra
meu coração que sobe como a névoa.


Eduardo Carranza
In: Antologia Poética

'SONETO COM UMA RESSALVA'


Tudo está bem: o verde na pradaria
o ar com seu silvo de diamante
e no ar o ramo desenhista
e pela luz acima a palmeira.

Tudo está bem: a fronte que me espera,
a água com seu céu caminhante
o vermelho úmido na boca amante
e o vento da pátria na bandeira.

Bem que seja entre sonhos o infante,
que seja janeiro azul e que eu cante.
Bem a rosa em seu claro palafrém.

Bem está que se viva e que se morra.
O Sol, a Lua, a criação inteira,
salvo meu coração, tudo está bem.


Eduardo Carranza
In: Antologia Poética

SONETO ATRAVESSADO POR UM RIO

Tarde tão bela para estar ausente
e chorar um amor infortunado,
empalidecendo entre o desfolhado
de um claro rio ao som da corrente.

Ainda que aberta na mão do presente,
tarde que já parece do passado
por seu aroma de tempo reprimido
e sua atitude de pensativa fronte.

Tarde pura, Deus meu, como aquelas
em que me surpreendiam as estrelas
triste do céu azul e o vento triste.

Dá-me outra vez, Deus meu, a tristeza,
e a ausência, e o rio que atravessa,
já que esta tarde trêmula me deste.


Eduardo Carranza
In: Antologia Poética

DOURADA AMIGA

A Manuel Halcón

Ao passar por minha, alma
a tarde se faz música.
Já sua vencida graça
se precipita em meu ombro:
e me vêm desejos
de tomar-lhe as mãos
e falar-lhe como falara
a uma amiga dourada.


Eduardo Carranza
In: Antologia Poética

IMAGEM QUASE PERDIDA

És como a luz alta e delgada.
Como o vento és clara sem o saber.
Vacila tua atitude como a tarde
suavemente inclinada sobre o mundo

És feita de sonhos esquecidos
e te esqueço logo, como a um sonho;
meu coração te busca como a fumaça
busca a altura e nela morre.

Como uma trepida flor te leva o dia
Presa entre seus lábios. És alta,
azul, delgada e reta como um silvo.
Recordo-te, de imediato, como a um sonho.


Eduardo Carranza
In: Antologia Poética

TEMPO DE ESQUECER

Sabes que sou como um rio abandonado
no sedento leito do esquecimento,
e a tua vã lembrança tão unido
como a água ao seu céu refletido;


Sabes que sou como o tempo desfolhado
na mão final do que foi perdido
e, como um horizonte proibido,
me envolves o sonho vigilante;


Sabes que sou como o ar, destinado
ao vôo de tuas aves, som ferido
surdidor rouxinol e enamorado:


Sobre este coração crepuscular
e por turvas marés assaltado,
tornas-te nuvem voando para o esquecimento.


Eduardo Carranza
In: Antologia Poética

ELEGIA PURA

Ainda me dura a melancolia.
Lá nos confins cantava um galo
aumentando o silêncio pérola e malva
em que a estrela azul se dissolvia.

Recendia a céu, a ela, a poesia.
Sem voltar a olhar fui-me a cavalo
Amadureciam as frutas e suas frutas.
A ela e a jardim secreto, recendia.

Fui-me, fui-me como por um romance
onde fôra o donzel que nunca volta. . .
a casa ali ficou com sua janela,

afundada na ausência, ao pé da alva.
Flutuou sua mão e me fui a cavalo.
Ainda me dura a melancolia.

Eduardo Carranza
In: Antologia Poética

AZUL DE TI


Pensar en ti es azul, como ir vagando
por un bosque dorado al mediodía:
nacen jardines en el habla mía
y con mis nubes por tus sueños ando.

Nos une y nos separa un aire blando,
una distancia de melancolía;
yo alzo los brazos de mi poesía,
azul de ti, dolido y esperando.

Es como un horizonte de violines
o un tibio sufrimiento de jazmines
pensar en ti, de azul temperamento.

El mundo se me vuelve cristalino,
y te miro, entre lámparas de trino,
azul domingo de mi pensamiento.

Eduardo Carranza

ES MELANCOLÍA


Te llamarás silencio en adelante.
Y el sitio que ocupabas en el aire
se llamará melancolía.

Escribiré en el vino rojo un nombre:
el tu nombre que estuvo junto a mi alma
sonriendo entre violetas.

Ahora miro largamente, absorto,
esta mano que anduvo por tu rostro,
que soñó junto a ti.

Esta mano lejana, de otro mundo
que conoció una rosa y otra rosa,
y el tibio, el lento nácar.

Un día iré a buscarme, iré a buscar
mi fantasma sediento entre los pinos
y la palabra amor.

Te llamarás silencio en adelante.
Lo escribo con la mano que aquel día
iba contigo entre los pinos.

Eduardo Carranza

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Edgar Allan Poe


Nasceu em Boston,Massachusetts,em 19 de Janeiro de 1809 —
Feleceu em Baltimore,Maryland, em 7 de Outubro de 1849- EUA
foi um escritor, poeta, romancista, crítico literário e editor estado-unidense.
Poe é considerado, juntamente com Jules Verne, um dos precursores da literatura de ficção científica e fantástica modernas. Algumas das suas novelas, como The Murders in the Rue Morgue, The Purloined Letter e The Mystery of Marie Roget, figuram entre as primeiras obras reconhecidas como policiais, e, de acordo com muitos, as suas obras marcam o início da verdadeira literatura norte-americana.

The raven (O corvo)

(excerto)
"Profeta", disse eu, "profeta — ou demônio ou ave preta!
Pelo Deus ante quem ambos somos fracos e mortais.
Dize a esta alma entristecida se no Édem de outra vida
Verá essa hoje perdida entre hostes celestiais,
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais!"
Disse o corvo, "Nunca mais".

"Que esse grito nos aparte, ave ou diabo!", eu disse. "Parte!
Torna á noite e à tempestade! Torna às trevas infernais!
Não deixes pena que ateste a mentira que disseste!
Minha solidão me reste! Tira-te de meus umbrais!
Tira o vulto de meu peito e a sombra de meus umbrais!"
Disse o corvo, "Nunca mais".

E o corvo, na noite infinda, está ainda, está ainda
No alvo busto de Atena que há por sobre os meus umbrais.
Seu olhar tem a medonha cor de um demônio que sonha,
E a luz lança-lhe a tristonha sombra no chão há mais e mais,
Libertar-se-á... nunca mais!


Edgar Allan Poe
Tardução Fernando Pessoa

To the River

Fair river! in thy bright, clear flow
Of crystal, wandering water,
Thou art an emblem of the glow
Of beauty- the unhidden heart-
The playful maziness of art
In old Alberto's daughter;

But when within thy wave she looks-
Which glistens then, and trembles-
Why, then, the prettiest of brooks
Her worshipper resembles;
For in his heart, as in thy stream,
Her image deeply lies-
His heart which trembles at the beam
Of her soul-searching eyes.

Edgar Allan Poe

Romance

Romance, who loves to nod and sing,
With drowsy head and folded wing,
Among the green leaves as they shake
Far down within some shadowy lake,
To me a painted paroquet
Hath been- a most familiar bird-
Taught me my alphabet to say-
To lisp my very earliest word
While in the wild wood I did lie,
A child- with a most knowing eye.

Of late, eternal Condor years
So shake the very Heaven on high
With tumult as they thunder by,
I have no time for idle cares
Through gazing on the unquiet sky.
And when an hour with calmer wings
Its down upon my spirit flings-
That little time with lyre and rhyme
To while away- forbidden things!
My heart would feel to be a crime
Unless it trembled with the strings.

Edgar Allan Poe

Song

I saw thee on thy bridal day-
When a burning blush came o'er thee,
Though happiness around thee lay,
The world all love before thee:

And in thine eye a kindling light
(Whatever it might be)
Was all on Earth my aching sight
Of Loveliness could see.

That blush, perhaps, was maiden shame-
As such it well may pass-
Though its glow hath raised a fiercer flame
In the breast of him, alas!

Who saw thee on that bridal day,
When that deep blush would come o'er thee,
Though happiness around thee lay;
The world all love before thee.

Edgar Allan Poe

Silence

There are some qualities- some incorporate things,
That have a double life, which thus is made
A type of that twin entity which springs
From matter and light, evinced in solid and shade.
There is a two-fold Silence- sea and shore-
Body and soul. One dwells in lonely places,
Newly with grass o'ergrown; some solemn graces,
Some human memories and tearful lore,
Render him terrorless: his name's "No More."
He is the corporate Silence: dread him not!
No power hath he of evil in himself;
But should some urgent fate (untimely lot!)
Bring thee to meet his shadow (nameless elf,
That haunteth the lone regions where hath trod
No foot of man,) commend thyself to God!


Edgar Allan Poe

Serenade

So sweet the hour, so calm the time,
I feel it more than half a crime,
When Nature sleeps and stars are mute,
To mar the silence ev'n with lute.
At rest on ocean's brilliant dyes
An image of Elysium lies:
Seven Pleiades entranced in Heaven,
Form in the deep another seven:
Endymion nodding from above
Sees in the sea a second love.
Within the valleys dim and brown,
And on the spectral mountain's crown,
The wearied light is dying down,
And earth, and stars, and sea, and sky
Are redolent of sleep, as I
Am redolent of thee and thine
Enthralling love, my Adeline.
But list, O list,- so soft and low
Thy lover's voice tonight shall flow,
That, scarce awake, thy soul shall deem
My words the music of a dream.
Thus, while no single sound too rude
Upon thy slumber shall intrude,
Our thoughts, our souls- O God above!
In every deed shall mingle, love.

Edgar Allan Poe

The Lake

In spring of youth it was my lot
To haunt of the wide world a spot
The which I could not love the less-
So lovely was the loneliness
Of a wild lake, with black rock bound,
And the tall pines that towered around.

But when the Night had thrown her pall
Upon that spot, as upon all,
And the mystic wind went by
Murmuring in melody-
Then- ah then I would awake
To the terror of the lone lake.

Yet that terror was not fright,
But a tremulous delight-
A feeling not the jewelled mine
Could teach or bribe me to define-
Nor Love- although the Love were thine.

Death was in that poisonous wave,
And in its gulf a fitting grave
For him who thence could solace bring
To his lone imagining-
Whose solitary soul could make
An Eden of that dim lake.

Edgar Allan Poe

Imitation

A dark unfathomed tide
Of interminable pride -
A mystery, and a dream,
Should my early life seem;
I say that dream was fraught
With a wild and waking thought
Of beings that have been,
Which my spirit hath not seen,
Had I let them pass me by,
With a dreaming eye!
Let none of earth inherit
That vision of my spirit;
Those thoughts I would control,
As a spell upon his soul:
For that bright hope at last
And that light time have past,
And my worldly rest hath gone
With a sigh as it passed on:
I care not though it perish
With a thought I then did cherish.

Edgar Allan Poe

"The Happiest Day"

The happiest day -- the happiest hour
My sear'd and blighted heart hath known,
The highest hope of pride and power,
I feel hath flown.

Of power! said I? yes! such I ween;
But they have vanish'd long, alas!
The visions of my youth have been-
But let them pass.

And, pride, what have I now with thee?
Another brow may even inherit
The venom thou hast pour'd on me
Be still, my spirit!

The happiest day -- the happiest hour
Mine eyes shall see -- have ever seen,
The brightest glance of pride and power,
I feel- have been:

But were that hope of pride and power
Now offer'd with the pain
Even then I felt -- that brightest hour
I would not live again:

For on its wing was dark alloy,
And, as it flutter'd -- fell
An essence -- powerful to destroy
A soul that knew it well.

Edagar Allan Poe

Eldorado

Gaily bedight,
A gallant knight,
In sunshine and in shadow,
Had journeyed long,
Singing a song,
In search of Eldorado.

But he grew old-
This knight so bold-
And o'er his heart a shadow
Fell as he found
No spot of ground
That looked like Eldorado.

And, as his strength
Failed him at length,
He met a pilgrim shadow-
"Shadow," said he,
"Where can it be-
This land of Eldorado?"

"Over the Mountains
Of the Moon,
Down the Valley of the Shadow,
Ride, boldly ride,"
The shade replied-
"If you seek for Eldorado!"


Edgar Allan Poe
Eldorado

Gaily bedight,
A gallant knight,
In sunshine and in shadow,
Had journeyed long,
Singing a song,
In search of Eldorado.

But he grew old-
This knight so bold-
And o'er his heart a shadow
Fell as he found
No spot of ground
That looked like Eldorado.

And, as his strength
Failed him at length,
He met a pilgrim shadow-
"Shadow," said he,
"Where can it be-
This land of Eldorado?"

"Over the Mountains
Of the Moon,
Down the Valley of the Shadow,
Ride, boldly ride,"
The shade replied-
"If you seek for Eldorado!"


Edgar Allan

An Enigma

"Seldom we find," says Solomon Don Dunce,
"Half an idea in the profoundest sonnet.
Through all the flimsy things we see at once
As easily as through a Naples bonnet-
Trash of all trash!- how can a lady don it?
Yet heavier far than your Petrarchan stuff-
Owl-downy nonsense that the faintest puff
Twirls into trunk-paper the while you con it."
And, veritably, Sol is right enough.
The general tuckermanities are arrant
Bubbles- ephemeral and so transparent-
But this is, now- you may depend upon it-
Stable, opaque, immortal- all by dint
Of the dear names that he concealed within 't.

Edgar Allan Poe

Evening Star

'Twas noontide of summer,
And mid-time of night;
And stars, in their orbits,
Shone pale, thro' the light
Of the brighter, cold moon,
'Mid planets her slaves,
Herself in the Heavens,
Her beam on the waves.
I gazed awhile
On her cold smile;
Too cold- too cold for me-
There pass'd, as a shroud,
A fleecy cloud,
And I turned away to thee,
Proud Evening Star,
In thy glory afar,
And dearer thy beam shall be;
For joy to my heart
Is the proud part
Thou bearest in Heaven at night,
And more I admire
Thy distant fire,
Than that colder, lowly light.


Edgar Allan Poe

A Dream

In visions of the dark night
I have dreamed of joy departed-
But a waking dream of life and light
Hath left me broken-hearted.

Ah! what is not a dream by day
To him whose eyes are cast
On things around him with a ray
Turned back upon the past?

That holy dream- that holy dream,
While all the world were chiding,
Hath cheered me as a lovely beam
A lonely spirit guiding.

What though that light, thro' storm and night,
So trembled from afar-
What could there be more purely bright
In Truth's day-star?

Edgar Allan Poe

The Bells

I
Hear the sledges with the bells-
Silver bells!
What a world of merriment their melody foretells!
How they tinkle, tinkle, tinkle,
In the icy air of night!
While the stars that oversprinkle
All the heavens, seem to twinkle
With a crystalline delight;
Keeping time, time, time,
In a sort of Runic rhyme,
To the tintinnabulation that so musically wells
From the bells, bells, bells, bells,
Bells, bells, bells-
From the jingling and the tinkling of the bells.

Edgar Allan Poe

Alone

From childhood's hour I have not been
As others were; I have not seen
As others saw; I could not bring
My passions from a common spring.
From the same source I have not taken
My sorrow; I could not awaken
My heart to joy at the same tone;
And all I loved, I loved alone.
Then- in my childhood, in the dawn
Of a most stormy life- was drawn
From every depth of good and ill
The mystery which binds me still:
From the torrent, or the fountain,
From the red cliff of the mountain,
From the sun that round me rolled
In its autumn tint of gold,
From the lightning in the sky
As it passed me flying by,
From the thunder and the storm,
And the cloud that took the form
(When the rest of Heaven was blue)
Of a demon in my view.


Edgar Allan Poe

A Zante

Linda ilha, que à mais bela das formosas
flores pediste o nome, que é o mais lindo,
quantas recordações de horas radiosas
nos vêm, se à nossa vista vais surgindo!
Quantas cenas perdidas de ventura!
Quanta esperança nas saudades morre!
Quantas visões daquela virgem pura
que teus outeiros já não mais percorre!
Não mais! Ai! como a frase triste a mágica
tudo altera! Não mais os teus fulgores
recordarei! Não mais! Paragem trágica,
sê maldita em tuas praias e em tuas flores!
ó ilha de jacinto! ó rubra Zante!
"Isola d`oro! Fior di Levante!"


Edgar Allan Poe

SILÊNCIO

Há qualidades incorpóreas, de existência
dupla, nas quais segunda vida se produz,
como a entidade dual da matéria e da luz,
De que o sólido e a sombra espelham a evidência.

Há pois, duplo silêncio; o do mar e o da praia,
do corpo e da alma; um, mora em deserta região
que erva recente cubra e onde, solene, o atraia
lastimoso saber; onde a recordação

O dispa de terror; seu nome é "nunca mais";
E o silêncio corpóreo. A esse, não temais!
Nenhum poder do mal ele tem. Mas, se uma hora

Um destino precoce (oh, destinos fatais!)
Vós levar as regiões soturnas, que apavora
sua sombra, elfo sem nome, ali onde humana palma

Jamais pisou, a Deus recomendai vossa alma!



Edgar Allan Poe

Não fui, na infância, como os outros
e nunca vi como outros viam.
Minhas paixões eu não podia
tirar de fonte igual à deles;
e era outra a origem da tristeza,
e era outro o canto, que acordava
o coração para a alegria.
Tudo o que amei, amei sozinho.
Assim, na minha infância, na alba
da tormentosa vida, ergueu-se,
no bem, no mal, de cada abismo,
a encadear-me, o meu mistério.
Veio dos rios, veio da fonte,
da rubra escarpa da montanha,
do sol, que todo me envolvia
em outonais clarões dourados;
e dos relâmpagos vermelhos
que o céu inteiro incendiavam;
e do trovão, da tempestade,
daquela nuvem que se alteava,
só, no amplo azul do céu puríssimo,
como um demônio, ante meus olhos.


Edgar Allan Poe

domingo, 2 de maio de 2010

Excerto de biografia



Fernando António Nogueira Pessoa nasceu em Lisboa no ano de 1888 e morreu 1935, no dia 30 de novembro, no Hospital São Luís, também em Lisboa. É considerado um dos maiores poetas de língua portuguesa, comparado a Camões, tamanho o seu valor.

Fernando Pessoa concebia seus heterónimos não apenas como vozes poéticas, mas como indivíduos completos, com hábitos, fisionomias, tipos físicos e psicológicos específicos.
Inicia a sua atividade de ensaísta e crítico literário com a publicação, em 1912, na revista “Águia”, do artigo “A nova poesia portuguesa sociologicamente considerada”, a que se seguiriam outros.

Pessoa é internado no dia 29 de Novembro de 1935, no Hospital de São Luís dos Franceses, com diagnóstico de "cólica hepática", falecendo de suas complicações, possivelmente associada a uma cirrose hepática provocada pelo excesso de álcool ao longo da sua vida.
No dia 30 de Novembro morre aos 47 anos. Nos seus últimos momentos pede os óculos e clama pelos seus heterônimos.

A sua última frase é escrita no idioma no qual foi educado, o inglês:
“I know not what tomorrow will bring”.
"Eu não sei o que o amanhã trará"

Uns

Uns, com os olhos postos no passado,
Vêem o que não vêem: outros, fitos
Os mesmos olhos no futuro, vêem
O que não pode ver-se.
Por que tão longe ir pôr o que está perto
A segurança nossa? Este é o dia,
Esta é a hora, este o momento, isto
É quem somos, e é tudo.

Perene flui a interminável hora
Que nos confessa nulos. No mesmo hausto
Em que vivemos, morreremos. Colhe
o dia, porque és ele.

Ricardo Reis
(Heterónimo)

Dia Após Dia

Dia após dia a mesma vida é a mesma.
O que decorre, Lídia,
No que nós somos como em que não somos
Igualmente decorre.
Colhido, o fruto deperece; e cai
Nunca sendo colhido.
Igual é o fado, quer o procuremos,
Quer o 'speremos. Sorte
Hoje, Destino sempre, e nesta ou nessa
Forma alheio e invencível.

Ricardo Reis
(Heterónimo)

Breve o Dia

Breve o dia, breve o ano, breve tudo.
Não tarda nada sermos.
Isto, pensado, me de a mente absorve
Todos mais pensamentos.
O mesmo breve ser da mágoa pesa-me,
Que, inda que mágoa, é vida

Ricardo Reis
(heterónimo)

Azuis os Montes

Azuis os montes que estão longe param.
De eles a mim o vário campo ao vento, à brisa,
Ou verde ou amarelo ou variegado,
Ondula incertamente.
Débil como uma haste de papoila
Me suporta o momento. Nada quero.
Que pesa o escrúpulo do pensamento
Na balança da vida?
Como os campos, e vário, e como eles,
Exterior a mim, me entrego, filho
Ignorado do Caos e da Noite
Às férias em que existo.

Ricardo Reis
(Heterónimo)

A Abelha

A abelha que, voando, freme sobre
A colorida flor, e pousa, quase
Sem diferença dela
À vista que não olha,
Não mudou desde Cecrops.
Só quem vive
Uma vida com ser que se conhece
Envelhece, distinto
Da espécie de que vive.
Ela é a mesma que outra que não ela.
Só nós — ó tempo, ó alma, ó vida, ó morte! —
Mortalmente compramos
Ter mais vida que a vida.


Ricardo Reis
(heterónimo)

...

"Há a renúncia de quem atingiu
os píncaros da humana lucidez
e abstrai seus conceitos de impermanência e símbolos
da contemplação voluntária de uma natureza
quem o homem iguala
à essencialidade ideal que lhe basta"

Ricardo Reis
(Hetrónimo)

Há uma erudição

"Há uma erudição do conhecimento, que é propriamente o que se chama erudição, e há uma erudição do entendimento, que é o que se chama cultura. Mas há também uma erudição da sensibilidade."

Bernardo Soares (heterónimo)
In ‘O livro do desassossego’ (Excertos)

Tinha-me levantado cedo

Tinha-me levantado cedo e tardava em preparar-me para existir.
Era a ocasião de estar alegre. Mas pesava-me qualquer coisa, uma ânsia desconhecida, um desejo sem definição, nem até reles. Tardava-me, talvez, a sensação de estar vivo. E quanto me debrucei da janela altíssima, sobre a rua para onde olhei sem vê-la, senti-me de repente um daqueles trapos úmidos de limpar coisas sujas, que se levam para a janela para secar, mas se esquecem, enrodilhados, no parapeito que mancham lentamente.

Bernardo Soares (heterónimo)
In ‘O livro do desassossego’ (Excertos)

Se escrevo o que sinto

"Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir. O que confesso não tem importância, pois nada tem importância. Faço paisagens com o que sinto."

"De resto, com que posso contar comigo? Uma acuidade horrível das sensações, e a compreensão profunda de estar sentindo... Uma inteligência aguda para me destruir, e um poder de sonho sôfrego de me entreter... Uma vontade morta e uma reflexão que a embala, como a um filho vivo..."


Bernardo Soares (heterónimo)
In ‘O livro do desassossego’ (Excertos)

Considero a vida uma estalagem

"Considero a vida uma estalagem onde tenho que me demorar até que chegue a diligência do abismo. Não sei onde me levará, porque não sei nada. Poderia considerar esta estalagem uma prisão, porque estou compelido a aguardar nela; poderia considerá-la um lugar de sociáveis, porque aqui me encontro com outros. Não sou, porém, nem impaciente nem comum. Deixo ao que são os que se fecham no quarto, deitados moles na cama onde esperam sem sono; deixo ao que fazem os que conversam nas salas, de onde as músicas e as vozes chegam cômodas até mim. Sento-me à porta e embebo meus olhos e ouvidos nas cores e nos sons da paisagem, e canto lento, para mim só, vagos cantos que componho enquanto espero”.

Bernardo Soares(Heterónimo)
In ‘O livro do desassossego’ (Excertos)

Às Vezes

Às vezes tenho idéias felizes,
Idéias subitamente felizes, em idéias
E nas palavras em que naturalmente se despegam...

Depois de escrever, leio...
Por que escrevi isto?
Onde fui buscar isto?
De onde me veio isto? Isto é melhor do que eu...
Seremos nós neste mundo apenas canetas com tinta
Com que alguém escreve a valer o que nós aqui traçamos?...


Álvaro de Campos
(Heterónimo)

APOSTILA

(exerto)

[...]

Aproveitar o tempo!
Ah, deixem-me não aproveitar nada!
Nem tempo, nem ser, nem memórias de tempo ou de ser!...
Deixem-me ser uma folha de árvore, titilada por brisa,
A poeira de uma estrada involuntária e sozinha,
O vinco deixado na estrada pelas rodas enquanto não vêm outras,
O pião do garoto, que vai a parar,

E estremece, no mesmo movimento que o da terra,
E oscila, no mesmo movimento que o da alma,
E cai, como caem os deuses, no chão do Destino.
(11-4-1928)


Álvaro de Campos
(Heterónimo)

Acordar

(Exerto)

[…]
Dá-me lírios, lírios
E rosas também.
Dá-me rosas, rosas,
E lírios também,
Crisântemos, dálias,
Violetas, e os girassóis
Acima de todas as flores...

Deita-me as mancheias,
Por cima da alma,
Dá-me rosas, rosas,
E lírios também...

Meu coração chora
Na sombra dos parques,
Não tem quem o console
Verdadeiramente,
Exceto a própria sombra dos parques
Entrando-me na alma,
Através do pranto.
Dá-me rosas, rosas,
E llrios também...

Minha dor é velha
Como um frasco de essência cheio de pó.
Minha dor é inútil
Como uma gaiola numa terra onde não há aves,
E minha dor é silenciosa e triste
Como a parte da praia onde o mar não chega.
Chego às janelas
Dos palác ios arruinados
E cismo de dentro para fora
Para me consolar do presente.
Dá-me rosas, rosas,
E lírios também...
[...]


Álvaro de Campos
(Heterónimo)

'Depus a Máscara'

Depus a máscara e vi-me ao espelho. —
Era a criança de há quantos anos.
Não tinha mudado nada...
É essa a vantagem de saber tirar a máscara.
É-se sempre a criança,
O passado que foi
A criança.
Depus a máscara, e tornei a pô-la.
Assim é melhor,
Assim sem a máscara.
E volto à personalidade como a um términus de linha.


Álvaro de Campos
(Heterónimo)

Clearly non-Campos!

Não sei qual é o sentimento, ainda inexpresso,
Que subitamente, como uma sufocação, me aflige
O coração que, de repente,
Entre o que vive, se esquece.
Não sei qual é o sentimento
Que me desvia do caminho,
Que me dá de repente
Um nojo daquilo que seguia,
Uma vontade de nunca chegar a casa,
Um desejo de indefinido.
Um desejo lúcido de indefinido.
Quatro vezes mudou a 'stação falsa
No falso ano, no imutável curso
Do tempo conseqüente;
Ao verde segue o seco, e ao seco o verde,
E não sabe ninguém qual é o primeiro,
Nem o último, e acabam.

Álvaro de Campos
(Heterónimo)

Fresta

Em meus momentos escuros
Em que em mim não há ninguém,
E tudo é névoas e muros
Quanto a vida dá ou tem,

Se, um instante, erguendo a fronte
De onde em mim sou aterrado,
Vejo o longínquo horizonte
Cheio de sol posto ou nado

Revivo, existo, conheço,
E, ainda que seja ilusão
O exterior em que me esqueço,
Nada mais quero nem peço.
Entrego-lhe o coração.

Fernando Pessoa
In ‘Cancioneiro’ (1913)

XIII – Prece

Senhor, a noite veio e a alma é vil.
Tanta foi a tormenta e a vontade!
Restam-nos hoje, no silêncio hostil,
O mar universal e a saudade.

Mas a chama, que a vida em nós criou,
Se ainda há vida ainda não é finda.
O frio morto em cinzas a ocultou:
A mão do vento pode ergue-la ainda.

Dá o sopro, a aragem - ou desgraça ou ânsia-
Com que a chama do esforço se remoça,
E outra vez conquistaremos a Distância -
Do mar ou outra, mas que seja nossa!

Fernando Pessoa
In ‘Mensagem’ (1934)

OLHANDO O MAR, SONHO SEM TER DE QUÊ

Olhando o mar, sonho sem ter de quê.
Nada no mar, salvo o ser mar, se vê.
Mas de se nada ver quanto a alma sonha!
De que me servem a verdade e a fé?

Ver claro! Quantos, que fatais erramos,
Em ruas ou em estradas ou sob ramos,
Temos esta certeza e sempre e em tudo
Sonhamos e sonhamos e sonhamos.

As árvores longínquas da floresta
Parecem, por longínquas, estar em festa.
Quanto acontece porque se não vê!
Mas do que há pouco ou não há o mesmo resta.

Se tive amores? Já não sei se os tive.
Quem ontem fui já hoje em mim não vive.
Bebe, que tudo é líquido e embriaga,
E a vida morre enquanto o ser revive.

Colhes rosas? Que colhes, se hão-de ser
Motivos coloridos de morrer?
Mas colhe rosas. Porque não colhê-las
Se te agrada e tudo é deixar de o haver?

Fernando Pessoa

Entre O Sono E Sonho

Entre o sono e sonho,
Entre mim e o que em mim
É o quem eu me suponho
Corre um rio sem fim.

Passou por outras margens,
Diversas mais além,
Naquelas várias viagens
Que todo o rio tem.

Chegou onde hoje habito
A casa que hoje sou.
Passa, se eu me medito;
Se desperto, passou.

E quem me sinto e morre
No que me liga a mim
Dorme onde o rio corre -
Esse rio sem fim.

Fernando Pessoa
In ‘Cancioneiro’ (1913)

(O que me dói não é)

O que me dói não é
O que há no coração
Mas essas coisas lindas
Que nunca existirão…

São as formas sem forma
Que passam sem que a dor
As possa conhecer
Ou as sonhar o amor.

São como se a tristeza
Fosse árvore e, uma a uma,
Caíssem suas folhas
Entre o vestígio e a bruma.


Fernando Pessoa
In ‘Cancioneiro’ (1913)

Escrevo...

Escrevo, triste, no meu quarto quieto, sozinho como sempre tenho sido, sozinho como sempre serei. E penso se a minha voz, aparentemente tão pouca coisa, não encarna a substância de milhares de vozes, a fome de dizerem-se de milhares de vidas, a paciência de milhões de almas submissas como a minha ao destino quotidiano, ao sonho inútil, à esperança sem vestígios. Nestes momentos meu coração pulsa mais alto por minha consciência dele. Vivo mais porque vivo maior.

Bernardo Soares
(Heterônimo)

(Vaga, no azul amplo solta,)

Vaga, no azul amplo solta,
Vai uma nuvem errando.
O meu passado não volta.
Não é o que estou chorando.

O que choro é diferente.
Entra mais na alma da alma.
Mas como, no céu sem gente,
A nuvem flutua calma.

E isto lembra uma tristeza
E a lembrança é que entristece,
Dou à saudade a riqueza
De emoção que a hora tece.

Mas, em verdade, o que chora
Na minha amarga ansiedade
Mais alto que a nuvem mora,
Está para além da saudade.

Não sei o que é nem consinto
À alma que o saiba bem.
Visto da dor com que minto
Dor que a minha alma tem.


Fernando Pessoa
In ‘Cancioneiro’ (1913)

Contemplo o Lago Mudo

Contemplo o lago mudo
Que uma brisa estremece.
Não sei se penso em tudo
Ou se tudo me esquece.

O lago nada me diz,
Não sinto a brisa mexê-lo
Não sei se sou feliz
Nem se desejo sê-lo.

Trêmulos vincos risonhos
Na água adormecida.
Por que fiz eu dos sonhos
A minha única vida?


Fernando Pessoa
In ‘Cancioneiro’ (1913)

Sonho. Não sei quem…

Sonho. Não sei quem sou neste momento.
Durmo sentindo-me. Na hora calma
Meu pensamento esquece o pensamento,
Minha alma não tem alma.

Se existo é um erro eu o saber. Se acordo
Parece que erro. Sinto que não sei.
Nada quero nem tenho nem recordo.
Nao tenho ser nem lei.

Lapso da consciência entre ilusões,
Fantasmas me limitam e me contem.
Dorme insciente de alheios corações,
Coração de ninguém.

Fernando Pessoa
In ‘Cancioneiro’ (1913)

Ao Longe, Ao Luar

Ao longe, ao luar,
No rio uma vela
Serena a passar,
Que é que me revela?

Não sei, mas meu ser
Tornou-se-me estranho,
E eu sonho sem ver
Os sonhos que tenho.

Que angústia me enlaça?
Que amor não se explica?
É a vela que passa
Na noite que fica.

Fernando Pessoa
In ‘Cancioneiro’ (1913)

Põe-me as mãos…

Põe-me as mãos nos ombros…
Beija-me na fronte…
Minha vida é escombros,
A minha alma insonte.

Eu não sei por quê,
Meu desde onde venho,
Sou o ser que vê,
E vê tudo estranho.

Põe a tua mão
Sobre o meu cabelo…
Tudo é ilusão.
Sonhar é sabê-lo.

Fernando Pessoa
In ‘Cancioneiro’ (1913)

Dobre

Peguei no meu coração
E pu-lo na minha mão

Olhei-o como quem olha
Grãos de areia ou uma folha.

Olhei-o pávido e absorto
Como quem sabe estar morto;

Com a alma só comovida
Do sonho e pouco da vida.

Fernando Pessoa
In ‘Cancioneiro’ (1913)

Não sei quantas almas tenho

Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é.

Fernando Pessoa

Autopsicografia

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.

Fernando Pessoa
In ‘Cancioneiro’ (1913)

sábado, 1 de maio de 2010

Octávio Paz


Octavio Paz, ensaísta e poeta mexicano, nasceu na capital de seu país em 1914. Passou sua infância nos Estados Unidos, acompanhando sua família, e sua vida adulta entre a França e a Índia, por fazer parte do quadro de diplomatas mexicanos. Em seu país, é o poeta mais considerado e controvertido da segunda metade do século XX.

Foi agraciado, entre outros, com os prêmios Cervantes, em 1979, Alexis de Tocquerville, em 1989, e com o Nobel de Literatura, em 1990.

Algumas obras do autor: "Luna silvestre" (1933), "Entre lapiedra y la flor" (1940), "el laberinto de la soledad" (1959), "La estación violenta" (1958), "El arco y la lira" (1956), "Topoemas" (1971), e "Hijos del aire" (1979).

O escritor faleceu na cidade do México no ano de 1998.

Día

¿De qué cielo caído,
oh insólito,
inmóvil solitario en la ola del tiempo?
Eres la duración,
el tiempo que madura
en un instante enorme, diáfano:
flecha en el aire,
blanco embelesado
y espacio sin memoria ya de flecha.
Día hecho de tiempo y de vacío:
me deshabitas, borras
mi nombre y lo que soy,
llenándome de ti: luz, nada.

Y floto, ya sin mí, pura existencia.


Octavio Paz

LA PALABRA DICHA

La palabra se levanta
de la página escrita.
La palabra,
labrada estalactita,
grabada columna,
una a una letra a letra.
El eco se congela
en la página pétrea.

Ánima,
blanca como la página,
se levanta la palabra.
Anda
sobre un hilo tendido
del silencio al grito,
sobre el filo
del decir estricto.
El oído: nido
o laberinto del sonido.

Lo que dice no dice
lo que dice: ¿cómo se dice
lo que no dice?
Di
tal vez es bestial la vestal.

Un grito
en un cráter extinto:
en otra galaxia
¿cómo se dice ataraxia?
Lo que se dice se dice
al derecho y al revés.
Lamenta la mente
de menta demente:
cementerio es sementero,
simiente no miente.

Laberinto del oído,
lo que dices se desdice
del silencio al grito
desoído.

Inocencia y no ciencia:
para hablar aprende a callar.


Octávio Paz

MADRUGADA AL RASO

Los labios y las manos del viento
el corazón del agua
un eucalipto
el campamento de las nubes
la vida que nace cada día
la muerte que nace cada vida

Froto mis párpados:
el cielo anda en la tierra

Octávio Paz

OTOÑO

En llamas, en otoños incendiados,
arde a veces mi corazón,
puro y solo. El viento lo despierta,
toca su centro y lo suspende
en luz que sonríe para nadie:
¡cuánta belleza suelta!

Busco unas manos,
una presencia, un cuerpo,
lo que rompe los muros
y hace nacer las formas embriagadas,
un roce, un son, un giro, un ala apenas;
busco dentro mí,
huesos, violines intocados,
vértebras delicadas y sombrías,
labios que sueñan labios,
manos que sueñan pájaros...

Y algo que no se sabe y dice «nunca»
cae del cielo,
de ti, mi Dios y mi adversario.


Octávio Paz

FRENTE AL MAR

1

Llueve en el mar:
al mar lo que es del mar
y que se seque la heredad.

2

¿La ola no tiene forma?
En un instante se esculpe
y en otro se desmorona
en la que emerge, redonda.
Su movimiento es su forma.

3

Las olas se retiran
—ancas, espaldas, nucas—
pero vuelven las olas
—pechos, bocas, espumas—.

4

Muere de sed el mar.
Se retuerce, sin nadie,
en su lecho de rocas.
Muere de sed de aire.

Octávio Paz

OTOÑO

El viento despierta,
barre los pensamientos de mi frente
y me suspende
en la luz que sonríe para nadie:
¡cuánta belleza suelta!
Otoño: entre tus manos frías
el mundo llamea.


Octávio Paz

ESCRITO CON TINTA VERDE

La tinta verde crea jardines, selvas, prados,
follajes donde cantan las letras,
palabras que son árboles,
frases que son verdes constelaciones.

Deja que mis palabras, oh blanca, desciendan y te cubran
como una lluvia de hojas a un campo de nieve,
como la yedra a la estatua,
como la tinta a esta página.

Brazos, cintura, cuello, senos,
la frente pura como el mar,
la nuca de bosque en otoño,
los dientes que muerden una brizna de yerba.

Tu cuerpo se constela de signos verdes
como el cuerpo del árbol de renuevos.
No te importe tanta pequeña cicatriz luminosa:
mira al cielo y su verde tatuaje de estrellas.


Octávio Paz

Entre partir e ficar

Entre partir e ficar hesita o dia,
enamorado de sua transparência.
A tarde circular é uma baía:
em seu quieto vai e vem se move o mundo.
Tudo é visível e tudo é ilusório,
tudo está perto e tudo é intocável.
Os papéis, o livro, o vaso, o lápis
repousam à sombra de seus nomes.
Pulsar do tempo que em minha têmpora repete
a mesma e insistente sílaba de sangue.
A luz faz do muro indiferente
Um espectral teatro de reflexos.
No centro de um olho me descubro;
Não me vê, não me vejo em seu olhar.
Dissipa-se o instante. Sem mover-me,
eu permaneço e parto: sou uma pausa


Octavio Paz

Irmandade

Sou homem: duro pouco
e é enorme a noite.
Mas olho para cima:
as estrelas escrevem.
Sem entender compreendo:
Também sou escritura
e neste mesmo instante
alguém me soletra.


Octávio Paz
Trad. Antônio Moura

Árvore adentro

Cresceu em minha fronte uma árvore.
Cresceu para dentro.
Suas raízes são veias,
nervos suas ramas,
Sua confusa folhagem pensamentos.
Teus olhares a acendem
e seus frutos de sombras
são laranjas de sangue,
são granadas de luz.
Amanhece
na noite do corpo.
Ali dentro, em minha fronte,
a árvore fala.
Aproxima-te. Ouves?



Octávio Paz
(Trad. Antônio Moura)

Margem

Tudo o que brilha na noite,
colares, olhos, astros,
serpentinas de fogos de cores,
brilha em teus braços de rio que se curva,
em teu pescoço de dia que desperta.

A fogueira que acendem na floresta,
o farol de pescoço de girafa,
o olho, girassol da insónia,
cansaram-se de esperar e perscrutar.

Apaga-te,
para brilhar não há como os olhos que nos vêem:
contempla-te em mim que te contemplo.
Dorme,
veludo de bosque,
musgo onde reclino a cabeça.

A noite com ondas azuis vai apagando estas palavras,
escritas com mão volúvel na palma do sonho.


Octavio Paz

VENTO, ÁGUA, PEDRA

A água perfura a pedra,
o vento dispersa a água,
a pedra detém ao vento.
Água, vento, pedra.

O vento esculpe a pedra,
a pedra é taça da água,
a água escapa e é vento.
Pedra, vento, água.

O vento em seus giros canta,
a água ao andar murmura,
a pedra imóvel se cala.
Vento, água, pedra.

Um é outro e é nenhum:
entre seus nomes vazios
passam e se desvanecem.
Água, pedra, vento.



Octávio Paz
Tradução de Haroldo de Campos

Primavera a la Vista

PULIDA claridad de piedra diáfana,
lisa frente de estatua sin memoria:
cielo de invierno, espacio reflejado
en otro más profundo y más vacío.

El mar respira apenas, brilla apenas.
Se ha parado la luz entre los árboles,
ejército dormido. Los despierta
el viento con banderas de follajes.

Nace del mar, asalta la colina,
oleaje sin cuerpo que revienta
contra los eucaliptos amarillos
y se derrama en ecos por el llano.

El día abre los ojos y penetra
en una primavera anticipada.
Todo lo que mis manos tocan, vuela.
Está lleno de pájaros el mundo.

Octávio Paz
In 'Libertad bajo la palabra'

ALBA ÚLTIMA

Tus cabellos se pierden en el bosque,
tus pies tocan los míos.
Dormida eres más grande que la noche
pero tu suñeno cabe en este cuarto.
¡Cuánto somos qué poco somos!
Afuera pasa un taxi
con su carga de espectros.
El río que se va siempre
está de regreso.

¿Mañana será otro día?

Octávio Paz

'Entre irse y quedarse'

Entre irse y quedarse duda el día,
enamorado de su transparencia.

La tarde circular es ya bahía:
en su quieto vaivén se mece el mundo.

Todo es visible y todo es elusivo,
todo está cerca y todo es intocable.

Los papeles, el libro, el vaso, el lápiz
reposan a la sombra de sus nombres.

Latir del tiempo que en mi sien repite
la misma terca sílaba de sangre.

La luz hace del muro indiferente
un espectral teatro de reflejos.

En el centro de un ojo me descubro;
no me mira, me miro en su mirada.

Se disipa el instante. Sin moverme,
yo me quedo y me voy: soy una pausa.

Octávio Paz

Viento

Cantan las hojas,
bailan las peras en el peral;
gira la rosa,
rosa del viento, no del rosal.

Nubes y nubes
flotan dormidas, algas del aire;
todo el espacio
gira con ellas, fuerza de nadie.

Todo es espacio;
vibra la vara de la amapola
y una desnuda
vuela en el viento lomo de ola.

Nada soy yo,
cuerpo que flota, luz, oleaje;
todo es del viento
y el viento es aire siempre de viaje.

Octavio Paz

Silencio

Así como del fondo de la música
brota una nota
que mientras vibra crece y se adelgaza
hasta que en otra música enmudece,
brota del fondo del silencio
otro silencio, aguda torre, espada,
y sube y crece y nos suspende
y mientras sube caen
recuerdos, esperanzas,
las pequeñas mentiras y las grandes,
y queremos gritar y en la garganta
se desvanece el grito:
desembocamos al silencio
en donde los silencios enmudecen.

Octavio Paz

La calle

Es una calle larga y silenciosa.
Ando en tinieblas y tropiezo y caigo
y me levanto y piso con pies ciegos
las piedras mudas y las hojas secas
y alguien detrás de mí también las pisa:
si me detengo, se detiene;
si corro, corre. Vuelvo el rostro: nadie.
Todo está oscuro y sin salida,
y doy vueltas y vueltas en esquinas
que dan siempre a la calle
donde nadie me espera ni me sigue,
donde yo sigo a un hombre que tropieza
y se levanta y dice al verme: nadie.

Octavio Paz

Junio

Bajo del cielo fiel Junio corría
arrastrando en sus aguas dulces fechas...

Llegas de nuevo, río transparente,
todo cielo y verdor, nubes pasmadas,
lluvias o cabelleras desatadas,
plenitud, ola inmóvil y fluente.

Tu luz moja una fecha adolescente:
rozan las manos formas vislumbradas,
los labios besan sombras ya besadas,
los ojos ven, el corazón presiente.

¡Hora de eternidad, toda presencia,
el tiempo en ti se colma y desemboca
y todo cobra ser, hasta la ausencia!

El corazón presiente y se incorpora,
mentida plenitud que nadie toca:
hoy es ayer y es siempre y es deshora.


Octavio Paz

Jardín

Nubes a la deriva, continentes
sonámbulos, países sin substancia
ni peso, geografías dibujadas
por el sol y borradas por el viento.

Cuatro muros de adobe. Buganvillas:
en sus llamas pacíficas mis ojos
se bañan. Pasa el viento entre alabanzas
de follajes y yerbas de rodillas.
El heliotropo con morados pasos
cruza envuelto en su aroma. Hay un profeta:
el fresno -y un meditabundo: el pino.
El jardín es pequeño, el cielo inmenso.

Verdor sobreviviente en mis escombros:
en mis ojos te miras y te tocas,
te conoces en mí y en mí te piensas,
en mí duras y en mí te desvaneces.

Octavio Paz